O Coletivo

Blog do escritor Juliano Rodrigues. Aberto a textos gostosos de quem quer que seja. Contato: julianorodrigues.escritor@gmail.com

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015


                            LIÇÃO TRIVIAL
(homenagem a Denis Barreto, futuro juiz federal)


                                Juliano Barreto Rodrigues


O juiz novato, ansioso em sair do interiorzinho para a capital, pegou um caso importante que, pela repercussão, e dependendo dos interesses em jogo, lhe renderia a nova lotação que desejava.
De um lado uma banca com dezesseis advogados de uma grande firma, defendendo o lado de uma megaempresa. Do outro, um advogadozinho pobre e caipira em defesa das vítimas de um acidente ambiental.
Poderosos pela empresa, um caso legítimo e justo do lado do solitário advogado. Se decidisse pela multinacional, o juiz iria para a capital promovido. De outra forma, enterraria a carreira na cidadezinha.
Já tinha decidido, mas teve uma visita inesperada. O causídico da roça chegou em mangas de camisa e com barba por fazer. Disse com sotaque carregado:
– O doutor tem filhos?
– Tenho dois, por que?
– Foi delegado e promotor, não é?
– Sim.
– O que quer deixar para eles quando se aposentar? A sombra do delegado e do promotor que era, as histórias do juiz de sucesso que foi, ou o exemplo de homem honrado e justo que continuará sendo?
Pronto! O juiz foi despertado. Julgou com consciência e justiça. Dali para frente, não se importava mais em viver na corrutela. Lá fez carreira e foi muito feliz. Só foi para a capital quando se tornou desembargador – e partiu para a cidade grande com pesar. Criou filhos muito dignos e se deitava todas as noites com o corpo cansado mas a cabeça leve por ter escolhido fazer sempre o que é certo. Seu grande exemplo orgulhou a família e perdurou por várias gerações.






LAMPEJO
(Ao poeta Leonardo Teixeira)


                                                 Juliano Barreto Rodrigues


Ô, poeta?!
Grita na minha cara!!!!
Mas grita uma palavra suja,
Que explode e estilhaça,
Enchendo a alma de fagulhas.


E seja inteiro!
Porque se não me lacera, te mato.
Ou pior,
Acabo com o poema,
No ato!!!!








segunda-feira, 21 de dezembro de 2015




PAI ESCRITOR II

                                                                           Juliano Barreto Rodrigues

Cinco meses! É a idade do meu bebê agora. As coisas começaram a entrar nos eixos no terceiro mês. Trocar fralda, ser atingido por um jato de regurgitado? Besteira! Isso não é nada. Limpo o neném, dou banho, troco fraldas e dou mamadeira feito um profissional, quase de olhos fechados (e ainda cantando para ele).
Desde que engravidamos, eu e minha esposa nos preocupávamos sobre como a rotina de sono afetaria nosso bem-estar quando o neném nascesse. É que meu bom humor sempre foi dependente de uma noite bem dormida.
Foi o caos! Coisa traumatizante. Tanto que temporariamente descartamos a ideia (louca, kkkkk) de ter outro filho. Mas enfim, não morremos e... passou. A grande mágica foi ele ter passado a dormir a noite toda – isso fez toda a diferença em nossas vidas. Agora conseguimos olhar para ele sem ficar com medo da noite.
Por mais que tenha sido desejado e planejado, ao nascer o bebê é meio como um visitante desconhecido que, embora dê trabalho, você não quer que vá embora (calma, eu explico). Sei que ele não é um estranho. É que o instinto de proteção e o apego que se tem pelo recém nascido não tem nada a ver com a forma comum de amor mais usual.
No primeiro momento descobri um amor instintivo, uma coisa que faz com que o indivíduo simplesmente seja capaz de dar a vida por um ser que acabou de conhecer – e o neném é isso. Esse amor não é racional e nem se parece com qualquer outra coisa que já vivi, porque não vem precedido do encantamento e apaixonamento normais da convivência.
É o dia-a-dia com a criança que vai levando ao amor, por assim dizer, “normal”: as expressões, os barulhinhos, o cheirinho, a intimidade, o reconhecer-se, as expectativas, se encarregam de aproximar pai e filho e fazer com que se digira melhor o sentimento que o pequenino lhe causa. Aí o homem (no caso eu, que, como quase todo ser humano do sexo masculino, sou pejorativamente cartesiano) volta ao lugar-comum da forma confortável de amor que conhece. Então desassusta-se.
--- Venha com o papai --- falo para meu filhinho enquanto o pego nos braços. Isso, de se autodenominar “papai”, tem uma força psicológica enorme. Vai ocorrendo uma lavagem cerebral e me sinto cada vez mais pai, mais responsável por ele e cabendo melhor no papel.
Após a tempestade dos primeiros meses estou mais calmo e um pouco mais senhor do meu tempo. Contraditoriamente, tenho escrito menos e, talvez, pior. É que a pressão da escassez de tempo sempre consegue extrair de mim o melhor. Acho que seria um bom redator de jornal.
Tenho descoberto uma novíssima realidade, de ter que levar o bebê se quiser tomar um chope com minha mulher, de não ver o fim de expediente acabar para poder chegar logo em casa (se bem que isso minha esposa já causava), de pensar em dinheiro – confesso que sempre fui meio alheio a isso. O menino tem cinco meses e estou pensando em colégio, em aula de inglês, curso de pintura, temporada em Piracanga..., intercâmbio, previdência privada, etc., etc., etc., espero não sobrecarrega-lo com meus planos, mas acho difícil.
No final das contas o que sei é que não viveria mais sem meu filho. É como se ele estivesse sempre estado comigo, como um órgão vital do corpo. Muito estranho! Mas a plenitude que desperta, transborda.
Quando acontece alguma coisa inusitada, tipo o neném fazer cocô na hora de sair, estando já todo arrumadinho – e nós já atrasados – brinco com a mãe: “Vai ter filho... tá vendo? Agora aguenta!” A paciência acaba por alguns minutos e, daí a pouco, a carinha dele já engambelou a gente de novo e estamos em suas mãos.
Sobre o tipo de amor que a paternidade causa, lembrei-me de uma frase de Monte Castelo, do Legião Urbana que, parafraseando Luiz de Camões, define que, amar assim.. “É um estar-se preso por vontade”. É bem isso.
Vamos ver onde isso vai dar. Todo dia é uma coisa nova, ele conquista mais uma habilidade, dá um trabalho e uma alegria diferente, cresce. Já tenho saudade do que passou.

Aproveitando o espírito natalino, fecho esta conversa com uma oração:
Pai Nosso, que nos permite estar na posição de pais para entender o que é o amor que sentes,
Santificado seja o vosso nome e a humanidade que ter um filho planta em nosso peito.
Venha a nós todas as capacidades necessárias para bem formar nossa(s) cria(s),
Seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu, mas seja complacente com nosso(s) filhinho(s).
O pão nosso de cada dia nos dai hoje em abundância, porque nossa família cresceu.
Perdoai as nossas faltas de paciência, e que ele(s) também nos perdoe(m).
Não nos permita cair na tentação de afrouxar a atenção na formação dos filhos.
Livrai-nos do mal - mas primeiramente, livra-o.
Amém.




terça-feira, 1 de dezembro de 2015



Àqueles que leram alguns dos poemas que postei ultimamente dedico este:


ESCUSAS

                                 Juliano Barreto Rodrigues

Me perdoem a verve egoísta e intimista.
Há de ser apenas fase de poeta.
Sei que preciso me tirar do que escrevo...
E apurar para o texto novas metas.

É que estou assombrado,
Obcecado pela minha condição e circunstância.
Amargo o azo da inconstância,
Feito viciado decaído de bom grado.





BORRASCA

                                           Juliano Barreto Rodrigues

Meu cenho obstinado
Nada tem a ver com o meu peito acabrunhado.
O sobrolho em fogo ardente
Nada pode contra meu coração gelado.

O candeeiro que ostento
Não ilumina nem um palmo.
E não há acalento ou salmo
Que possa com meu tino baldo.

Estou mais sem rumo
Do que um cisco ao vento,
Que nem sequer emite lamento se,
No seu caminho, um sopro sopre fora de prumo.

Minha caixinha de palavras
Não chega para o turbilhão de sentimentos que me mata.
Não dá conta da mínima lágrima.
E eu..., que confiava tanto na palavra?

Meu verso é pedra quadrada e tosca,
Que não rola moldada e exibida.
Não tem ritmo, nem rima, nem métrica.
É só fado que lastima a vida.

Assim, pasmo calado,
Sem única letra, seja vogal ou consoante,
Em árabe, português ou dialeto.
Eu silencio acre, mas diamante!

(No arado ressequido,
Nem se esforçando nasce nada.
Mas contra toda expectativa,
Às vezes um broto irrompe vitorioso).

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É meia-noite, de boca seca e ressaca.
Última noite para mim, que não espero por mais nada.
Rasga a seda, eviscerada.
Come minha carne, meu cérebro, a cara!

(Basta! Que vil lamento.
Nada reflete o que trago por dentro.
Então cala-te, puto!
Respeite tudo que não pode ser dito).

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Fecha e tranca o riso astuto
Tão ínfimo e dissoluto,
Que de vergonha já devias ter enterrado.
Tu, que fazes cara de augustus, mas não passas de um bruto.

Caçoa...
Que é de tu, atoa,
A mágoa,
Que tão sonora e túrgida em mim ressoa.





CONFISSÃO (JUIZO VENAL) – ou alegoria ilacrimável

                                                 Juliano Barreto Rodrigues

Escamoteie toda tua vileza
Na carinha boa e em teus gestos cultivados.
Podes enganar a ti mesmo?
Podes cobrir o porco com pele de arminho?

Dó de ti, feze feia!
Antes assumisses o que és;
Recheias a multidão de estúpidos com tua cara blasé
E enfeita a mixaria da tua classe inócua.

(ABRINDO O JOGO)

Não se engane comigo. Não sou melhor do que tú.
Sou um ignóbil criticastro
Que te difama por não ter coragem de ousar contra si mesmo.
Então soframos, corujas débeis!

Sonhos de harpia
Não nos fazem sequer corvos.
Me abrace,
Abrace seu herodes com carinho e deixo que o mates.

Chegarei primeiro e te ciceronearei no inferno,
Para onde ambos iremos.
Vamos rir juntos
Aos pés da fornalha ardente.

O azougue nos consuma com seu brilho
Que, pelo menos, algum brilho ostentaremos.
Te empresto os vícios meus
E tu me deixes gozar os vícios teus.

(RESPOSTA INESPERADA)
--- Sumamos!

(NOVAMENTE O CRÍTICO)
Quem dera a natureza fosse generosa assim.
Antes da purga não nos permitem desaparecer.
É preciso doer, doer,
Para só com insistência fenecer.

(Posso, ao menos, calar a minha língua?
Que bem faria para a humanidade!
Foi ela que me pôs a perder.
Sem ela, cessaria toda minha maldade).

(O OUTRO)
--- E que jeito, que solução?
Por mais que faça, meu passo é vão.
Tenhamos misericórdia um do outro.
Acabe comigo, e te acabo então.

(OS DOIS EM UNÍSSONO)
Feito!!!!


Dois poemas curtos


Poema

                               Juliano Barreto Rodrigues

Eu comi palavras,
E regurgitei poema.
E o que o ele fez?
Me comeu de volta.
Maldito filho da puta!







Anagramático pi

                               Juliano Barreto Rodrigues

Ô brusca pena...
Se não me mostrasse um poema,
nem acreditaria.
Nem acreditaria
Se não me mostrasse um poema.
Ô brusca pena....