O Coletivo

Blog do escritor Juliano Rodrigues. Aberto a textos gostosos de quem quer que seja. Contato: julianorodrigues.escritor@gmail.com

segunda-feira, 30 de maio de 2016


Depois de um bom tempo sem postar nada (estou preparando um livro técnico) volto a ativa. 



Conjecturando

Sempre faço relações entre a escrita e as outras formas de arte. A comparação me ajuda a entender de maneira mais fácil tanto uma quanto as outras e, talvez, tenha a ver com minha formação (não acadêmica) em pintura, música e escrita. O contato com essas três formas de expressão me levaram a reconhecer a arte como uma coisa só, suas modalidades aprimorando umas as outras. Meu cérebro artístico funciona assim:
- Ouvir uma boa peça musical (e racionalizá-la) me ajuda, por exemplo, a escrever uma ficção tentando alcançar um ritmo, períodos de calmaria, de pré-climax e de climax, e a terminar com uma cadência perfeita. Se eu for pintar, me ajuda também a imprimir o movimento e a harmonia em uma cena, por exemplo.
- Se vejo uma bela tela, aprendo a redigir de modo a não descrever friamente algo e sim mostrar as cenas com palavras, destacando estados de espírito, estímulos aos sentidos, nuances e expressões, etc.
- Se um texto arrebata, o que pinto deve ter a mesma capacidade de imediatamente tocar, prender e impressionar o admirador.
- Uma música deve ter um colorido e as notas dever compor frases interessantes.
E por aí vai.
A relação entre as artes não é invenção minha e há muito publicado nesse sentido. Como disse, lá no século XVII, o pintor francês Charles Alphonse Du Fresnoy: “Um poema assemelha-se a um quadro; deste modo um quadro deveria também assemelhar-se a um poema… Um quadro é muitas vezes considerado como poesia muda; e a poesia um quadro falante” (FRESNOY apud WIMSATT; BROOKS, 1971, p. 320).
Ainda relacionando literatura e artes visuais, destacam-se os estudos da Retórica Visual, que mescla o conceito de retórica - mais afeto à escrita - às possibilidades do desenho, da pintura, do design, etc..
Também a idéia de Ekphrasis, que em sentido amplo significa a representação verbal da representação visual – conceito que eu amplio mais ainda, propondo o vice-versa – vai no mesmo sentido da prova do mutualismo, que acho natural, entre as artes.
No cinema, a transformação do escrito em imagens, inclusive com efeitos especiais e fundo musical (que dá todo um plus de emoção), revela várias possibilidades da simbiose entre as modalidades artísticas.
Sinceramente, não creio que o artista possa viver circunscrito a sua especialidade. Pode até ser que produza somente esculturas, por exemplo, mas a fonte de que bebe deve ser bem mais ampla. A criatividade se alimenta da vida mas, obviamente, a educação do gosto, a sofisticação dos sentidos, a comparação crítica, a percepção de convenções e tendências artísticas, se adquire muito no convívio com as artes e seu meio – no plural.
Não tenho preguiça de fazer analogias. Pensar uma variante artística através de outras ajuda a aprofundá-la. Ajuda também a manter a mente desperta, receptiva e rica de referências.
No final das contas, tudo se resume a uma coisa só: arte! Tanto faz o meio mais confortável e preferido pelo artista para se expressar (aquele em que é mais competente e livre). Arte é arte. Limitar-se é fechar o foco em uma coisa só e se tornar bem menor do que poderia ser.


REFERÊNCIA

WIMSATT JR., William K.; BROOKS, Cleanth. Crítica literária: breve história. Trad. Ivette Centeio e Armando de Morais. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1971.