O Coletivo

Blog do escritor Juliano Rodrigues. Aberto a textos gostosos de quem quer que seja. Contato: julianorodrigues.escritor@gmail.com

segunda-feira, 5 de junho de 2017



A FORÇA DAS (NOVAS) CONVICÇÕES

                                                         Juliano Barreto Rodrigues

Curioso admirador dos tipos humanos – hábito que talvez tenha adquirido por transitar muito, observando diferentes pessoas o tempo todo –, fui elaborando um repertório de padrões de reconhecimento dos espécimes que me permite hoje, por exemplo, associar novos ricos, novos convertidos e intelectuais recém-admitidos, num mesmo balaio. Todos têm uma listinha de afirmações e negações a bater até interiorizarem e serem aceitos nos seus grupos. São chatos.

Voo Brasília-Porto Seguro. Senta ao meu lado uma figura carregando um livro grossíssimo, óculos de resina colorida, paletó mal caído cheirando a naftalina, caneta na mão. Como todo aparecido, o homem puxa conversa e, daí a pouco, conheço todas as suas credenciais, nome do cachorro, endereço...

Ateu. Se declara e me olha para ver o efeito. Penso comigo: “a mais velha modinha entre todo novo intelectual. Acho até que quase inexista algum intelectual de escol que não tenha sido ateu por, pelo menos, cinco minutos”.

Não disse nada, mas o homem disparou seus motivos. Elucubrou por meia hora, um saco.

Solavanco. Turbulência. Meu vizinho virou a descompostura em pessoa:

– Ai meu Deus, ai meu Deus, Nossa Senhora, Diviiiino Espírito Santo – repetia sem parar agarrado ao meu braço e suando rios.

No ridículo da situação eu disse:

– Calma, calma, Deus ajuda quem tem fé.

Passados os quebra-molas aéreos, o tipo se virou para o corredor e nem olhou mais para mim. Quando foi desembarcar eu ainda arrisquei um “vá com Deus”. Acredita que o desaforado nem me respondeu?



Resenha de meia leitura do livro "A Insustentável Leveza do Ser"


                                                                                               
                                                                                                          Juliano Barreto Rodrigues

Dia desses cometi o sacrilégio de ler o comecinho de um livro e, logo em seguida, correr para o final para ver o que tinha acontecido.

A despeito dos meus motivos – não era um livro meu e nem estava na minha infindável lista de leituras urgentes – foi uma experiência inédita e gratificante, que pretendo (confesso!) repetir.

Explico: o título “A Insustentável leveza do ser” (Milan Kundera) induz, por si só, divagações filosóficas e levanta possibilidades narrativas mais ou menos previsíveis. Não vou me aprofundar dizendo o que pensei e previ para não frustrar quem queira repetir o experimento. Li, então, as primeiras quatro páginas, que deram mais pistas, e elaborei uma hipótese de fim da história. Daí parti para a leitura das últimas páginas para ver se confirmavam minha ideia.

Foi muito interessante. O título é incrível e resume o enredo. Obviamente, um grande texto literário é muito maior do que a história que conta. A forma de contar é que protagoniza. Mas o fato que interessa aqui é que acertei o final.

Pretendo me redimir do meu pecado, lendo o livro todo. Mas também pretendo fazer a mesma experiência com outras obras com títulos igualmente sugestivos, do tipo “Tudo que é sólido desmancha no ar” (Marshall Berman), ou “Amor é tudo que nós dissemos que não era” (Bukowski).

Posso falar bastante do livro de Kundera sem conhecê-lo a fundo. Mas o que diria seria uma aproximação leviana a qual recorreria só se me apertassem (me lembrei da obra “Como falar dos livros que não lemos”, de Pierre Bayard). De toda forma, reitero que foi um exercício produtivo e prazeroso (mas não sem alguma talisca de culpa). Tentem.