O Coletivo

Blog do escritor Juliano Rodrigues. Aberto a textos gostosos de quem quer que seja. Contato: julianorodrigues.escritor@gmail.com

segunda-feira, 10 de julho de 2017

Homenagem ao médico Benedito de Assis


Há pessoas que são diferenciadas. Gente dedicada a uma grande missão. É o caso do médico Benedito de Assis, que minha mãe sempre chamou de "Didizinho", e a quem aprendi nominar também assim. 
Homenageei-o com o livro Sem Causar Mal - Histórias de Vida, Morte e Neurocirurgia, do médico inglês Henry Marsh (Editora nVersos) e compartilho a dedicatória que lhe fiz:

 Didi,
Vocação, sacerdócio. Substantivos próprios da devoção religiosa, mas muito convenientemente empregados ao exercício da medicina. A veste branco-imaculada alimenta ainda mais a aura pia, e a economia e sobriedade na fala do médico, seus gestos práticos, o costume com as sentenças de vida e morte, lembram a gravidade clerical. Mas há Médicos e médicos.
Hoje proliferam, ao lado dos vocacionados, 'vendilhões do templo' de Hipócrates. Gente não “chamada”, que abraça a profissão imperial não como confissão religiosa, mas como mercancia e meio de satisfazer a própria vaidade. Aviltam o santo mister.
Quando se entrega as dores e a própria vida a um médico, se lhe confia a alma. É a entrega máxima, a esperança de que ele, junto a Deus, são a chance de misericordiosa solução para a aflição.
Todos reconhecem um grande médico na frase: “está em boas mãos”. O que posso dizer?
Meu filho está nas melhores mãos que conheço. Antes dele estivemos eu e meu irmão. E, além de nós, tantos e tantos outros.
Não há ouro que pague sua entrega. Peço ao Pai que lhe pague, ampare em Suas mãos sua família, assim como as suas mãos de médico têm abençoado as famílias de seus pacientes.
Nossa Gratidão, Doutor!




segunda-feira, 3 de julho de 2017



                            A Alegria da Escrita

                                                                          Wisława Szymborska

Para onde corre essa corça escrita pelo bosque escrito?
Vai beber da água escrita
que lhe copia o focinho como papel-carbono?
Por que ergue a cabeça, será que ouve algo?
Apoiado sobre as quatro patas emprestadas da verdade
sob meus dedos apura o ouvido.
Silêncio — também esta palavra ressoa pelo papel
e afasta
os ramos que a palavra “bosque” originou.

Na folha branca se aprontam para o salto
as letras que podem se alojar mal
as frases acossantes,
perante as quais não haverá saída.

Numa gota de tinta há um bom estoque
de caçadores de olho semicerrado
prontos a correr pena abaixo,
rodear a corça, preparar o tiro.

Esquecem-se de que isso não é a vida.
Outras leis, preto no branco aqui vigoram.
Um pestanejar vai durar quanto eu quiser,
e se deixar dividir em pequenas eternidades
cheias de balas suspensas no voo.

Para sempre se eu assim dispuser nada aqui acontece.
Sem meu querer nenhuma folha cai
nem um caniço se curva sob o ponto final de um casco.

Existe então um mundo assim
sobre o qual exerço um destino independente?
Um tempo que enlaço com correntes de signos?
Uma existência perene por meu comando?

A alegria da escrita.
O poder de preservar.
A vingança da mão mortal.



SZYMBORSKA Wisława. “A alegria da escrita”. In: Poemas, seleção, tradução e prefácio de Regina Prybycien. Companhia das Letras, São Paulo – 2011. p. p. 36, 37.