A
SOMBRA DO VENTO – Livro de Carlos Ruiz Zafón
Resenha
Juliano Barreto Rodrigues
Um dos melhores livros que já li.
O título, que não antecipa ou sugere o enredo, é um
substantivo próprio: o nome de um livro dentro da história. É
ambíguo e dá ideia de fluidez, irrealidade, sonho, fugacidade.
Diferente, provoca no leitor a tentativa de criar mentalmente uma
imagem impossível: a sombra do vento. Dessa impressão confusa surge
a força do título, aguçando a curiosidade e estimulando a leitura.
É o primeiro de quatro livros (aclamado, já passou de
6,5 milhões de unidades vendidas desde o lançamento em 2001,
segundo a Wikipédia), que têm a característica de poderem ser
lidos de forma independente, porque cada um tem enredos com começo,
meio e fim, embora trabalhem as mesmas personagens. Minha intenção
inicial era ler só o primeiro livro mas, antes de terminá-lo,
adquiri os outros três.
São 464 páginas absolutamente necessárias, numa
edição primorosa da Suma das Letras (hoje SUMA), selo do Grupo
Companhia das Letras.
Produzida por Cláudia Espínola
de Carvalho, a capa é linda, um destaque. Figurativa, enquadra pai e
filho apressados rumo a algum lugar, que a sinopse na quarta capa
indica como o Cemitério dos Livros Esquecidos. As duas figuras são
emolduradas por um cenário nebuloso e frio, totalmente condizente
com os descritos no livro – neste sentido, ecoam no texto as
palavras “vapores”, “azul” ou “azuis” (até a repetição
ficar meio excessiva) e “ocre”. Talvez outro capista, que não
tivesse lido o livro, pudesse ter usado a imagem de uma livraria
antiga, mas Cláudia Espínola teve a sensibilidade de apresentar o
recorte de uma emoção: a expectativa da criança por conhecer
aquele lugar mágico.
A ideia de um Cemitério dos Livros Esquecidos, onde são
guardados os últimos exemplares de obras que estão se extinguindo
é, por si só, preciosa a todos os amantes de livros. O tema prende,
a velocidade da trama é constante, há altos e baixos perfeitamente
conectados, os efeitos causados no leitor parecem milimetricamente
calculados.
Quem conhece o Cemitério dos
Livros Esquecidos escolhe e se torna responsável por um livro, que
lido, continua vivo. Daniel Sempere conhece, ainda criança, aquela
“Ordem” misteriosa, levado por seu pai. Lá “adota” um livro
chamado A Sombra
do Vento.
Obcecado por ele procura, primeiro, por outras obras do autor,
depois, pelo próprio escritor, que sumiu em circunstâncias
obscuras.
Uma sinistra figura também está
à caça dos últimos exemplares dos livros de Julián Carax. Quando
encontra algum, o queima. Quem atravessa seu caminho corre perigo.
Esse ser sombrio tem ligação com as pessoas e com os acontecimentos
dramáticos descritos naquele livro, por isso o persegue. Daniel
Sempere quer descobrir quem é ele e porque tem tanto ódio por Carax
e seus livros. Mas os riscos são enormes.
Passado na Barcelona de meados do
século XX, “A Sombra do Vento é sobretudo uma história trágica
de amor, cujo eco se projeta através do tempo. Com uma grande força
narrativa, o autor entrelaça tramas e enigmas […] num inesquecível
relato sobre os segredos do coração e o feitiço dos livros, numa
intriga que se mantém até a última página” (excerto da quarta
capa).
O público-alvo é o leitor amante da escrita ficcional,
dos livros, das livrarias, do mundo dos escritores, embora qualquer
pessoa que goste de aventura, tragédia e romance terá ali
entretenimento de primeira qualidade.
O livro fictício A
Sombra do Vento
é tratado como um “romance para romancistas”, aquele tipo de
obra de excelente qualidade mas que não alcança o leitor médio
(pelo tipo de linguagem ou pela profundidade das divagações, etc.).
Esta tragédia editorial não deixa de ser uma crítica e uma lição
para quem escreve.
Para mim, a personagem mais
marcante é Fermín Romero, o velho cheio de histórias e
experiências de vida, munido de aforismos e conselhos certos (alguns
engraçados) para todo tipo de situação. Sofrido mas forte,
coadjuva com o protagonista Daniel Sempere, como um fiel escudeiro.
O enredo tem – sem faltar nada –
tudo que marca as melhores ficções: tragédia; amor; violência;
mistério; morte e vida; sucessos e fracassos financeiros;
personagens verossímeis; diálogos marcantes; encontros e
rompimentos; tempo histórico bem definido (que facilita imaginar a
sucessão de acontecimentos); ambientação bem narrada; cenas
construídas só com os detalhes que importam (sem excessos nem
faltas); tessitura do enredo sem brechas; uma prosa simples sem ser
simplória, clara, mas, ainda assim, formal; algumas frases
aforísticas muito boas; o tema “grande”, no sentido de
atemporal, válido para além do recorte escolhido para a ocorrência
da trama, bem como para além dos leitores da época em que o livro
foi lançado; contém grandes lições metafísicas – mas dentro da
concreção dos fatos ocorridos com os personagens, de modo que as
transcendências nascem da capacidade de divagação do leitor
analisando as situações – sem advirem de narrações professorais
pedantes; capítulos nem tão curtos nem tão longos; estrutura
impecável. Ou seja, é um clássico inato, com todo o arsenal para
hipnotizar o leitor e fazê-lo submergir nas imagens em movimento (as
palavras são, no bom sentido, quase invisíveis, um instrumental a
serviço do fluxo das sequências).
Acompanhamos parte do crescimento de Daniel Sempere,
suas descobertas: do amor, com a frustração e outros perigos; da
violência; das responsabilidades e outras coisas graves da vida. É
interessante a relação de cumplicidade que tem com o pai e também
a parceria construída com Fermín, um homem bem mais velho do que
ele. Acompanhamos o desenvolvimento de Daniel, que se torna um homem
decidido e corajoso.
Várias vezes me peguei tampando parte da página com a
mão para não cair na tentação de ver, nem com a visão
periférica, a solução de um suspense nas linhas seguintes (os
olhos teimavam em escorregar para lá, por causa da expectativa).
O final do livro é parecido com os finais de novela de
TV: nos últimos momentos todos os acontecimentos, referentes a todas
as personagens, se resolvem, para um "the end" quase
literal.
Distingue-se a excelente revisão textual (só vi um
erro de concordância, por volta da página 280). Sendo um volume
relativamente grosso, o manuseio é facilitado pelo tamanho da
impressão. Colaboram para a boa leitura a escolha tipográfica da
fonte Capitolina Regular, o bom tamanho das letras e localização da
mancha de texto (com margens adequadas e ótimo espaço entre as
linhas). Também realço a escolha do papel Pólen Soft (da Suzano),
de textura, brilho e cor bem agradáveis.
O livro é o resultado de uma arquitetura perfeita,
funcional e bela. Fica evidente que foi pensado e planejado pelo
autor e teve um primoroso trabalho de edição e desing. Sobram
adjetivos para qualificá-lo. Meu escolhido é “imperdível!”.
ANEXO
Carme
Font Paz – doutora em Filología e profesora de Literatura Inglesa
na Universidad Autònoma de Barcelona, tradutora, escritora, leitora
editorial profissional, especialista nas origens da escrita feminina
na Europa, coordenadora de varios cursos em escritores.org –
avaliando minha resenha, enviou um ótimo feedback, que
gostaria de compartilhar, juntamente com a resposta que enviei:
“Has
escrito una reseña más integrada y menos técnica en la que aparece
una descripción general de la trama, la temática y los personajes
de la obra. Además, dejas entrever la fusión entre autor y texto.
Mi única objeción es que tu argumento crítico parece
unidireccional y bastante positivo. Das a entender que se lee de un
tirón y que Zafón es hábil con la escritura y la caracterización
de los personajes. Pero ¿esta obra no adolece de ningún defecto?
¿Qué aspecto negativo o poco recomendable resaltarías de ella
(aparte del desenlace fácil al final del libro) ¿Te parece una obra
de ficción para niños o se dirige también a adultos? Debido al
éxito de ventas que obtuvo, ¿cuál dirías que es la clave de su
originalidad y de su complicidad con el lector?”
Diante
dos comentários da professora Carme, respondi o seguinte:
“Realmente
me entusiasmé con la obra (y de una forma muy diferente de lo que
ocurrió con La
otra vuelta de la tuerca,
por ejemplo, que admiro pero no me gustó). Me encantó el libro de
Zafón. Motivo de haber argumentado tan positivamente. Fue una reseña
pasional, con el fin de convencer a quien quiera que sea a leer el
libro. No consideré el desenlace fácil del final del libro un
defecto. Creo que es una gran solución para una tetralogía que
pretende que cada libro pueda ser leído de forma independiente, sin
que el libro anterior sea un requisito previo obligatorio. Para ello
funcionar, cada libro debe tener una trama independiente con
comienzo, medio y fin bien delineados. No clasifico la novela como
infantojuvenil, hasta porque no sé si la velocidad de la narrativa
(y tal vez la cantidad de páginas y también el hecho de ser una
tetralogía) agradaría a ese público, ávido por soluciones más
rápidas. Creo que el éxito de ventas se dio justo 1) por el "cebo"
perfecto para los amantes de los libros - la historia del Cementerio
de los Libros Olvidados y la trama siguiendo la línea principal de
suspense en relación a un libro misterioso; 2) por la forma simple
de contar una buena historia, con comienzo, medio y fin bien
definidos, sin experimentalismo; (3) por alcanzar "griegos y
troyanos", presentando elementos para todos los gustos:
violencia, pasión, ruina, revertérios, suspense y misterio,
relaciones familiares, miedo, tensión, ambientes bien construidos,
buenas y óptimas escenas, etc.
Para
mí el secreto fue éste: Zafón cogió la fórmula antigua, ya
probada y con la eficiencia comprobada y, sin arriesgarse mucho,
contó una buena historia. Recuerdo muy bien cuánto deseé que otro
libro, El comerciante de inicios de romance (de
Matei Visniec), un libro con una idea muy buena pero una escritura
muy experimental, hubiera sido escrito por Zafón y no por
Visniec. Me gusta ciertos excesos, ya considerar que
"menos es aburrido", pero estoy obligado a admitir que, en
muchos casos (en este em particular) "menos es más".
¿Quién
no piensa en los libros que nunca va a leer? Y más, en
aquellos a los que nunca tendrá acceso? Y en aquellos que fueron
quemados por los diversos regímenes radicales? ¿Y en los
agotados? Un Cementerio de los Libros Olvidados, donde ejemplares
amenazados de extinción son preservados, es un deseo (consciente o
inconsciente) reprimido por todo y cualquier ávido lector. Junte ese
"leitmotiv" a una lucha de defensa específica a un libro
que quieren quemar a toda costa, y ya se tiene la promesa de una gran
historia. Y Zafón la contó con maestría. Tal vez yo haya pecado
por haber sido tan rápidamente convencido de eso, pero siempre soy
sincero. Voy a tratar de ser menos ingenuo y leer (y escribir) de
forma más sentimental, en el sentido dado por Schiller y por Orhan
Pamuk.”