O Coletivo

Blog do escritor Juliano Rodrigues. Aberto a textos gostosos de quem quer que seja. Contato: julianorodrigues.escritor@gmail.com

sábado, 18 de julho de 2015

PAI ESCRITOR


Juliano Barreto Rodrigues.

De repente tenho um bebê. Os nove meses de barrigão deveriam nos preparar para sua vinda, mas não. Apesar de vê-lo algumas vezes no ultrassom e ouvir o batimento do coraçãozinho, ele ainda era meio abstrato. Nossa, ser pai aos 40 é assustador. Se fosse aos vinte teria mais disposição, talvez fosse mais fácil administrar as noites mal dormidas. Por outro lado, pode ser que eu não tivesse tido a oportunidade de fazer tantas coisas que fiz sem ter que cuidar de uma criança. E ainda há a história da ‘experiência’ – atributo elogioso dos mais velhos.
Pensei que a tarefa de ser pai fosse um fim em si mesmo, como se nada mais importasse tanto, como se todas as minhas necessidades de repente diminuíssem. Ledo engano. A estrada me tornou complexo e faminto, um tanto egoísta também. As aspirações são muitas, os planos se sucedem, não dá para ser apenas uma ou duas coisas.
Por causa Dele (com “D” maiúsculo mesmo) o tempo de que dispunha, e que já era pouco para fazer tudo o que gosto de fazer, foi reduzido absurdamente. Nunca pensei que iria ter que dividir em tantas prestações a simples leitura de um artigozinho de revista. O neném chora, é preciso ver se está sujo e trocar, depois dar para a mãe por no peito, aí mamadeira para complementar – lavada, fervida e resfriada – colocar para arrotar, acalmar o pequeno e rezar para que durma. Nisso já vai quase uma hora, num processo que deve ser repetido a cada duas ou três horas. E essas são apenas as tarefas ordinárias, porque ainda há banho, visitas ao médico, arrumar e desarrumar toda a tralha da criança, que tem um guarda-roupas maior e mais especializado que o nosso, e um sem-fim de outras coisas. Bebês têm ferramentas e artefatos que eu nem sequer sabia existirem.
Se quase não consigo ler, quem dirá escrever. Para começar, a falta de noites bem dormidas prejudica a memória, tenho dificuldade de lembrar até nome de pessoas próximas. O humor não fica lá essas coisas, e é preciso um estado de espírito adequado para produzir. Concentração? Nem se fala. O mais difícil são as interrupções.
A solução é escrever como se o fizesse escondido, tendo que correr para não ser pego com a mão na massa. Virei um fugitivo, que tem que sair em disparada o mais depressa possível antes de ser avistado. É necessário fazer tudo de um só tiro, sem planejar, sem rever, sem pensar muito, ainda que possa por a perder o resultado final. Melhor do que nada para quem simplesmente não consegue ficar sem escrever.
Ortega y Gasset disse “eu sou eu e a minha circunstância”. Ela determina boa parte – talvez a maior – do que somos e fazemos. É isso: agora sou um escritor com um neném, tendo que me reinventar com o tempo mais exíguo que me sobrou. Consolo-me na certeza de que sou bom para trabalhar sob pressão, especialmente de tempo. A diferença atual é que meus neurônios estão sempre numa Jam Session, se virando nos trinta.
Dizem que nada amadurece mais um homem do que a paternidade. Se assim for, minha escrita sairá lucrando. Para alguém prolixo como eu, talvez uma boa dose de pressa me torne mais sintético, curto e direto, favorecendo o estilo. Ademais, Ele é mais uma razão para minha arte melhorar: tenho que dar exemplo e ser motivo de orgulho para meu filhinho.
Por outro lado, “Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida” (Fernando Pessoa). Não fosse por outro motivo, já seria uma boa terapia para pais aflitos a fuga momentânea da realidade escrevendo. Recarrega as pilhas de forma produtiva.
Sei que ganhei. Não sei se minha escrita ganhará, mas tenho esperança que sim. Eis a contingência da minha circunstância.



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