Juliano
Barreto Rodrigues.
De repente tenho um bebê. Os nove
meses de barrigão deveriam nos preparar para sua vinda, mas não. Apesar de
vê-lo algumas vezes no ultrassom e ouvir o batimento do coraçãozinho, ele ainda
era meio abstrato. Nossa, ser pai aos 40 é assustador. Se fosse aos vinte teria
mais disposição, talvez fosse mais fácil administrar as noites mal dormidas.
Por outro lado, pode ser que eu não tivesse tido a oportunidade de fazer tantas
coisas que fiz sem ter que cuidar de uma criança. E ainda há a história da ‘experiência’
– atributo elogioso dos mais velhos.
Pensei que a tarefa de ser pai fosse
um fim em si mesmo, como se nada mais importasse tanto, como se todas as minhas
necessidades de repente diminuíssem. Ledo engano. A estrada me tornou complexo
e faminto, um tanto egoísta também. As aspirações são muitas, os planos se
sucedem, não dá para ser apenas uma ou duas coisas.
Por causa Dele (com “D” maiúsculo
mesmo) o tempo de que dispunha, e que já era pouco para fazer tudo o que gosto
de fazer, foi reduzido absurdamente. Nunca pensei que iria ter que dividir em
tantas prestações a simples leitura de um artigozinho de revista. O neném chora,
é preciso ver se está sujo e trocar, depois dar para a mãe por no peito, aí
mamadeira para complementar – lavada, fervida e resfriada – colocar para
arrotar, acalmar o pequeno e rezar para que durma. Nisso já vai quase uma hora, num
processo que deve ser repetido a cada duas ou três horas. E essas são apenas as
tarefas ordinárias, porque ainda há banho, visitas ao médico, arrumar e
desarrumar toda a tralha da criança, que tem um guarda-roupas maior e mais
especializado que o nosso, e um sem-fim de outras coisas. Bebês têm ferramentas
e artefatos que eu nem sequer sabia existirem.
Se quase não consigo ler, quem dirá
escrever. Para começar, a falta de noites bem dormidas prejudica a memória,
tenho dificuldade de lembrar até nome de pessoas próximas. O humor não fica lá
essas coisas, e é preciso um estado de espírito adequado para produzir.
Concentração? Nem se fala. O mais difícil são as interrupções.
A solução é escrever como se o
fizesse escondido, tendo que correr para não ser pego com a mão na massa. Virei
um fugitivo, que tem que sair em disparada o mais depressa possível antes de
ser avistado. É necessário fazer tudo de um só tiro, sem planejar, sem rever, sem
pensar muito, ainda que possa por a perder o resultado final. Melhor do que
nada para quem simplesmente não consegue ficar sem escrever.
Ortega y Gasset disse “eu sou eu e a
minha circunstância”. Ela determina boa parte – talvez a maior – do que somos e
fazemos. É isso: agora sou um escritor com um neném, tendo que me reinventar
com o tempo mais exíguo que me sobrou. Consolo-me na certeza de que sou bom
para trabalhar sob pressão, especialmente de tempo. A diferença atual é que
meus neurônios estão sempre numa Jam Session,
se virando nos trinta.
Dizem que nada amadurece mais um
homem do que a paternidade. Se assim for, minha escrita sairá lucrando. Para
alguém prolixo como eu, talvez uma boa dose de pressa me torne mais sintético,
curto e direto, favorecendo o estilo. Ademais, Ele é mais uma razão para minha
arte melhorar: tenho que dar exemplo e ser motivo de orgulho para meu filhinho.
Por outro lado, “Escrever é esquecer.
A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida” (Fernando Pessoa). Não fosse por outro motivo, já seria uma boa terapia para pais aflitos a fuga momentânea
da realidade escrevendo. Recarrega as pilhas de forma produtiva.
Sei que ganhei. Não sei se minha escrita
ganhará, mas tenho esperança que sim. Eis a contingência da minha
circunstância.
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