POEIRA DO TEMPO
Juliano Barreto
Rodrigues
Guardo antigas memórias de velhas
bruxas e homens graves,
De erudição profunda, pince-nez,
fraques impolutos,
Internados em seus gabinetes
atemporais.
E dos Ticianos, Michelangelos e
Gauguins que enamorei.
Relembro tempos parados,
Os cerzidos ingleses, os monogramas
bordados,
Armoriais, sapatinhos com laços,
E dos romances franceses proibidos.
Apitos de trens, apitos de bules,
Rendas, chás-das-cinco, coleção de xícaras.
E os cadinhos que tia Úrsula me dava
na infância para curar a febre?
E os degraus da entrada da minha
velha casa?
Saudade das avós, avôs e tutores,
Com seus relicários, breves e
breviários.
E da pedra-de-toque que atestava o
oiro que meu pai comprava.
Adorava os cachinhos de bebês
imortalizados nas fotografias
Espocadas a pólvora de Barcarena.
Tínhamos medo de São Cipriano.
Benzíamos-nos no tilintar dos sinos
da Ave-Maria.
Adorava licor de jabuticaba na
tacinha de cristal.
E dramas, comédias, romances, tragédias.
Meus ‘ais’ de amores, de dor, de
assombro, sumiram.
Quantos protocolos, brasões, beija-anéis.
E mais broquéis, escudos-de-armas.
Cartas ciganas me revelaram labirintos
e rotas dúbias.
Sou baú de bricabraques,
Repleto de impressões, barulhos de
crianças, notícias de longe.
Guardei por anos as medalhas, selos,
ex-libris e meus tinteiros gastos.
Lembro dos candeeiros dos postes acesos
nos fins de tarde,
E dos ladrilhos novos de minha São
Paulo,
A sacudir os coches irritando os
passageiros.
Que saudades dos praças mortos na
guerra.
Ah! Que falta faz minha capa, minha
cartola, minha bengala.
Não me lembro de nenhum dos livros do
meu santuário,
Embora saiba que ainda me inspiram.
Essa minha outra vida é gostosamente
vívida.
Tinha minha oficina de tipos.
Eu era homem do meu tempo.
Lembro vagamente do jornal que
dirigi,
Do estafeta sem-juízo de quem eu ria
escondido,
E da minha querida Dona Inez,
Que hoje ainda adorna os jardins
floridos de minha vida,
Com outro nome.
Agora sou passageiro atrasado de um
novo tempo,
Que vivo bem,
Ainda que com a nostalgia de
antanho.
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