O Coletivo

Blog do escritor Juliano Rodrigues. Aberto a textos gostosos de quem quer que seja. Contato: julianorodrigues.escritor@gmail.com

terça-feira, 5 de janeiro de 2016



AI, PALAVRAS


                                                         Juliano Barreto Rodrigues


Enquanto dirigia para casa ontem, estive pensando no meu hábito e gosto pela escrita, bem como no poder que as palavras têm, ainda que em um país de pouca leitura. Para pesar sua força boa ou má, lembrei-me de algumas situações ruins em que me colocaram (o que acontece de mau geralmente é exemplo mais veemente, seja porque dói, ou porque esquecemos com mais dificuldade). Duas foram colocações profissionais: um relatório e uma negativa de cumprimento de ordem.

No primeiro caso relatei minuciosamente um fato ocorrido, citando nomes e condutas, diretrizes para a investigação do acontecido, etc. Ocorreu que eu e o outro subscritor fomos chamados pelo chefe do órgão em que o principal envolvido trabalhava, para explicar porque seu nome – dele, o chefe – havia sido referido.

O problema é que sua assessora direta era quem o havia citado, e o que consignamos no relatório o impedia de atuar no caso a partir dali, por ser considerado suspeito. Antes de tirar satisfações conosco foi falar com nosso superior, que nos apoiou totalmente. No final das contas, sobrou para sua funcionária, mas poderia ter sobrado para nós. Ele quis “carteirar”, mas passou vergonha.

Da outra vez, recebi uma ordem e, por considerá-la ilegal, recorri para duas instâncias, que não acataram meu pedido de não cumprimento. Para me obrigar, o chefe imediato emitiu ordem escrita. Respondi, na via de recibo, que não iria cumpri-la. Resultado: me mandaram para outro setor, deram fama de questionador e encrenqueiro, respondo processo administrativo disciplinar por insubordinação, e ainda perdi oportunidade de receber uma promoção.

Estando certo ou errado, os dois casos representam situações nas quais aquilo que pus no papel se voltou contra mim. A história é repleta de coisas assim. O escrito é perene, permanece supostamente inalterado como prova – a favor ou contra – seu autor. Por isso tantos manifestos, críticas, notas de repúdio, são anônimos. Dizer que não disse o que se falou é fácil, mas alegar que o que está escrito não foi dito, já é bem mais difícil (O “ver para crer”, de São Tomé, ilustra que, em matéria probatória, se dá muito mais importância ao visto do que ao ouvido).

É preciso considerar, ainda, que a maneira de escrever pode deixar margem para interpretações diversas, que podem ser utilizadas para acusar ou defender o autor. Utilizando outro exemplo pessoal, uma vez redigii o seguinte miniconto: “Advogado encasquetou Tarso, por apenas 20% e custas, ir à forra contra sua ex. Perdeu. Condenado aos custos da rival, incutiu: de engodo em engodo, doutores vão enchendo os bolsos - à custa dos bobos”. A escritora Ana Mello, analisando o texto, me deu um feedback que me deixou preocupado. Associou o personagem “Tarso” ao então governador (e advogado) Tarso Genro, e disse que o final parecia uma piada política, em que se poderia interpretar que ele enche os bolsos à custa dos eleitores (a quem eu, supostamente, teria chamado de bobos). Assustado, respondi: “Nossa, nem pensei que poderia haver alguma conotação política. Interessante como, quem lê, às vezes tem uma conclusão que vai bem além do que foi a intenção do escritor. O nome Tarso foi aleatório”. Imagine no que isso daria se eu fosse um funcionário do governo riograndense à época?

Minha formação é em Direito, coisa que meus textos denunciam, já que não consigo me livrar do hábito de citar referências para fortalecer meus argumentos. Sei o valor das palavras e de quem as disse. Um advogado acostumado a redigir contratos, por exemplo, sabe o trabalho que a simples inserção da expressão “irrevogável e irretratável” pode dar para uma das partes no caso de arrependimento do negócio. O outro interessado pode, simplesmente, obrigar o cumprimento, sem possibilidade de desistência. E são apenas duas palavrinhas.

Ai palavras, ai palavras, que estranha potência, a vossa! […] Reis, impérios, povos, tempos, pelo vosso impulso rodam…”. Cecília Meireles antes de mim, assim como tantos outros antes de nós, já questionaram tal poder. O fazer humano, individual ou coletivo, está totalmente vinculado ao dizer, seja na forma escrita ou falada (ou pensada, já que comumente pensamos como se conversássemos conosco mesmos, utilizando palavras). Dessa conclusão depreende-se que quase tudo, se não tudo, que a humanidade já realizou, primeiro foi palavra. “No princípio era o verbo [...]” (João 1:1). Eis o primeiro dos poderes.

Em uma pizzaria conversávamos sobre arte quando, citando o estilo de um pintor que admiro mas do qual não lembrava o nome, fui perguntado acerca de quem se tratava. Arrisquei: “Acho que se chama Romero Jucá!”. Meu concunhado disse na hora: “Romero Jucá é político”. Pior é que eu não me lembrei do sobrenome “Brito” quando precisei. Fiquei de bobo e falastrão, mas a gafe não estava eternizada... até agora.

Escrevendo, há mais tempo para pensar e para checar as fontes, cuidar do texto – e olha que ainda se erra muito. É preciso pensar mais no leitor, destinatário da mensagem, e moderar a criação para adequá-la ao seu contexto. Para quem gosta de escrever, e principalmente a quem o faz profissionalmente, não faz mal relembrar: veja bem o que vai fazer, suas palavras podem se voltar contra você.





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