CANINANA
Juliano Barreto Rodrigues
Tem coisa na vida da gente que se contar ninguém querdita. Nos fim
de semana eu e os cumpadre se reune debaixo do pé de manga pra
jogar um truco e beber umas pinga de jeito. Tem vez que junta umas
três ou quatro mesa de truquêro. Quase sempre dá alguma arrelia,
mas todo mundo gosta.
Numa veis dessa, cachaça vai, cachaça vem, começaram a
falar da tal da caninana, dona da matinha onde brota e desce o
corguinho que passa na roça. É costume algum mamado se achar
o bãozão e querer subir lá com um pedaço de pau pra tentar matar a
cobrona. Tudo quanto é metido a besta vorta de lá correno e
branco feito defunto.
Naquele dia, eu, o Zé da Venda, o Tonico e o Jão tava jogando e o
povo da outra mesa só no mocotó e na branquinha, contando valentia
e brincando uns com os outro. Daí a pouco o mais barulhento veio me
estrovar. Falou que ia lá pegar a cobra. Pronto, todo mundo queria
dar um pitaco, dizer que fizesse assim e assado, que não virasse as
costas pra ela porque a tinhosa corria atrás dando chicotada. A mesma lorota de sempre.
Depois de quase uma hora de fuzarca, dois resolveram ir com o Meleta.
Os três já tavam daquele jeito, se acendessem um cigarro era capaz
deles explodir. Num tem nada pra dar mais coragem num homem do que a
mardita.
Na portinha da macega um já tremeu e deu pra trás. Vortou fazendo
graça pra amenizar a vergonha. Os outros dois chucharam na mata. Daí
um tempo ouvimos uns grito e a pauzera quebrano. Sai de lá, na
carreira, o companheiro do Meleta, parecendo que viu o diabo e
berrando por ajuda.
O Meleta tinha ido até a grota da mina e espiticado uma galhada,
quando deu de cara com o rabo da chicotêra alaranjada. No que
acompanhou o corpo dela, viu que já tava armada pro bote. Só foi o
prazim de pular e correr. A bicha saiu no rumo dele que, acostumado a
correr de boi brabo, subiu no primeiro pé de pau que achou. O bestão
só esqueceu é que cobra sobe em árvore.
Coragem era pouca, mas nóis não podia deixar um amigo naquela
situação. Fomos acudir. Que situação. O peão tava lá trepado na
árvore, lá na grimpinha, com a bichona lambendo os beiço pra pegar
ele, pertinho, pertinho. Ele já tinha obrado na roupa e, cada vez
que ela dava um bote ele gritava, saia prum lado, saia pro outro,
parecia que tava dançando na brasa, e a bosta escorria pelas perna.
O Zé da venda rancou o tresoitão da cintura e tascou um tiro pro
rumo. Pulei e ranquei o revolver da mão dele, se não, ele é que ia
acabar matano o Meleta. Não tinha muito o que fazer, ninguém tinha
colhão pra chegar muito perto. Jogar toco não tava adiantando. “Ai
meu Deus, ai meu Deus”, relinchava o encurralado.
Quando pensa que não, o peão me cai lá de cima com cobra e tudo. O
tombo foi tão feio que todo mundo pensou: morreu! O cabra caiu
sentadão bem no meio da bicha. Deve ter sido com tanta força, ou
ela não aguentou o cheiro, que na mesma hora arrastou, manqueba, pra
grota suja. Nessa hora foi muita graça ver aquele mutamo de homem
esborrachado lá no chão, sem um pinguinho de sangue na cara. Até a
cana tinha evaporado.
Dali pra frente, Meleta passou a ser chamado de Melado, o herói todo
cagado, que tinha muntado na cobra e sobrevivido pra contar a
história.
A danada tinha ganhado de novo, mas deve ter brotado um
bico-de-papagaio no espinhaço, que não deixa ela esquecer do
Melado. Pelo menos até hoje ela pôde descansar. Demora algum
bocoió se meter com a descadeirada de novo. Ela vai tá prontinha.
Fico matutano... Me fala: pra quê bulir com quem tá queto, heim?
Pra quê?
Vai sê bobo pra lá.
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