O
NEGOCIANTE DE INÍCIOS DE ROMANCE
Por Juliano
Barreto Rodrigues
Literatura
maiúscula, do dramaturgo romeno Matéi Visniec. Livro premiado: recebeu, em
2016, o Prêmio Jean Monnet de Literatura Europeia. O texto é uma experimentação
arriscada, mas certeira, de um autor que sabe muito bem o que está fazendo.
Numa
crítica* impressionista, que é o único tipo de crítica que ouso, e com o único
fim de apresentar uma obra a potenciais leitores, o livro é notável. O título
sugere um tema caro àqueles apaixonados por literatura que fazem listas e
ranqueiam títulos e inícios memoráveis. É para eles, e especialmente para quem
escreve, que o livro parece ter sido criado.
A ideia de
uma organização secreta multissecular responsável pela transmissão de inícios
de romances que teriam alçado escritores como Dostoievsky, Faulkner, Cervantes,
etc., à imortalidade literária (e de um escritor novato que estaria aguardando
um prometido início que, por si só, deslancharia uma obra capaz de colocá-lo no
patamar de seus ídolos), é um apelo irresistível para o público de que falamos.
Foi o meu caso.
O enredo
não é linear, havendo enredos paralelos, graças a outros romances e contos que
vão se intercalando no texto, escritos pelo personagem principal. No todo, há
uma mescla de romance, ficção científica, poesia, metaliteratura (inclusive com
dicas como, por exemplo, a parte que fala do teaser, do lead).
O fluxo do
texto nem é rápido, mas a alternância de enredos diferentes, capítulo a
capítulo, dá a sensação de velocidade. Essa construção fragmentária, com várias
histórias, cada uma com sua trama e seus atores, obriga uma leitura contínua para
o leitor não se perder, esquecendo quais personagens são de cada enredo. Nisso,
o autor é um mestre: comanda totalmente o ritmo de leitura, fazendo com que o
leitor tente ler sem parar.
A É Realizações Editora fez um belo
trabalho na capa. O miolo do livro é em papel um pouco amarelado, muito
agradável de ver e manusear. A fonte tipográfica escolhida é perfeita: no
tamanho, na legibilidade, na invisibilidade (não chama atenção para si mais do
que o texto, serve-o). Há uns poucos deslizes de revisão, por exemplo, a
palavra trazia, mais de uma vez escrita “traía” e, algumas vezes, também me
ressenti da tradução, especialmente dos poemas (pouca fluidez) – lembro de um
caso em que em vez de dizer “colava” nas provas, se disse “copiava”. Pode
significar mais ou menos a mesma coisa, mas é menos preciso. No entanto, esses
não são “poréns” importantes, que levariam a dizer “a edição brasileira é boa mas...”.
Pelo contrário: é boa demais, independente de qualquer detalhezinho.
Não acredito
que O Negociante de Inícios de Romances agrade o leitor de livros “comerciais”,
mastigadinhos. É cult, sofisticado,
exige muito do leitor, o forma. Está aí uma daquelas obras-bagagem, que se leva
para sempre. Numa palavra: adorei!
* Gostaria
de dizer que é uma resenha, mas estaria sendo inexato: praticamente nem falo do
enredo, para não tirar o prazer de quem ainda vai ler. Como me sinto impelido a
falar do livro da forma que quero, faço essa pequena concessão, assumindo a
palavra “crítica” sem, porém, o tom pejorativo, que quase sempre lhe associam.
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