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quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Resenha de "O Negociante de Inícios de Romance" de Matéi Visniec




O NEGOCIANTE DE INÍCIOS DE ROMANCE


Por Juliano Barreto Rodrigues


Literatura maiúscula, do dramaturgo romeno Matéi Visniec. Livro premiado: recebeu, em 2016, o Prêmio Jean Monnet de Literatura Europeia. O texto é uma experimentação arriscada, mas certeira, de um autor que sabe muito bem o que está fazendo.

Numa crítica* impressionista, que é o único tipo de crítica que ouso, e com o único fim de apresentar uma obra a potenciais leitores, o livro é notável. O título sugere um tema caro àqueles apaixonados por literatura que fazem listas e ranqueiam títulos e inícios memoráveis. É para eles, e especialmente para quem escreve, que o livro parece ter sido criado.

A ideia de uma organização secreta multissecular responsável pela transmissão de inícios de romances que teriam alçado escritores como Dostoievsky, Faulkner, Cervantes, etc., à imortalidade literária (e de um escritor novato que estaria aguardando um prometido início que, por si só, deslancharia uma obra capaz de colocá-lo no patamar de seus ídolos), é um apelo irresistível para o público de que falamos. Foi o meu caso.

O enredo não é linear, havendo enredos paralelos, graças a outros romances e contos que vão se intercalando no texto, escritos pelo personagem principal. No todo, há uma mescla de romance, ficção científica, poesia, metaliteratura (inclusive com dicas como, por exemplo, a parte que fala do teaser, do lead).

O fluxo do texto nem é rápido, mas a alternância de enredos diferentes, capítulo a capítulo, dá a sensação de velocidade. Essa construção fragmentária, com várias histórias, cada uma com sua trama e seus atores, obriga uma leitura contínua para o leitor não se perder, esquecendo quais personagens são de cada enredo. Nisso, o autor é um mestre: comanda totalmente o ritmo de leitura, fazendo com que o leitor tente ler sem parar.

A É Realizações Editora fez um belo trabalho na capa. O miolo do livro é em papel um pouco amarelado, muito agradável de ver e manusear. A fonte tipográfica escolhida é perfeita: no tamanho, na legibilidade, na invisibilidade (não chama atenção para si mais do que o texto, serve-o). Há uns poucos deslizes de revisão, por exemplo, a palavra trazia, mais de uma vez escrita “traía” e, algumas vezes, também me ressenti da tradução, especialmente dos poemas (pouca fluidez) – lembro de um caso em que em vez de dizer “colava” nas provas, se disse “copiava”. Pode significar mais ou menos a mesma coisa, mas é menos preciso. No entanto, esses não são “poréns” importantes, que levariam a dizer “a edição brasileira é boa mas...”. Pelo contrário: é boa demais, independente de qualquer detalhezinho.

Não acredito que O Negociante de Inícios de Romances agrade o leitor de livros “comerciais”, mastigadinhos. É cult, sofisticado, exige muito do leitor, o forma. Está aí uma daquelas obras-bagagem, que se leva para sempre. Numa palavra: adorei!


* Gostaria de dizer que é uma resenha, mas estaria sendo inexato: praticamente nem falo do enredo, para não tirar o prazer de quem ainda vai ler. Como me sinto impelido a falar do livro da forma que quero, faço essa pequena concessão, assumindo a palavra “crítica” sem, porém, o tom pejorativo, que quase sempre lhe associam.






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