ESCREVENDO
RESENHA LITERÁRIA I
Ponderações
para booktubers e blogueiros
Juliano
Barreto Rodrigues
1. Diferença
entre resumo, resenha e crítica especializada
Resumo é uma
síntese de texto, seguindo fielmente as ideias do autor. No resumo
(que pode ser parágrafo por parágrafo ou mais global) o redator faz
a seleção do que considera mais importante e, com suas próprias
palavras, escreve um texto que não foge daquele que se está
resumindo e nem acrescenta opiniões e anotações pessoais. É
objetivo.
A resenha trata do
texto (ou vídeo, ou música, etc.) mas é subjetiva, no sentido de
que é um comentário crítico acerca daquilo que é resenhado. Pode
conter ou não um resumo e, muitas vezes, vai além do seu objeto,
dialogando com outros textos, ou com a história, ou com outros
campos do saber, etc.
“Bater uma
resenha” significa, coloquialmente, “bater um papo”. Isso
mesmo, conversar com tempo, trocar uma ideia mais a fundo sobre
qualquer tema de interesse. É uma definição que me agrada mais do
que qualquer outro conceito metodológico científico para definir
resenhas literárias. O “papo” pressupõe um assunto pelo qual os
resenhistas têm afinidade (e aqui é importante destacar que a
resenha – ou sua leitura – é um diálogo1).
Os principais
instrumentos de apresentação de argumentos da crítica
especializada são a resenha crítica e o ensaio. Esta resenha se
diferencia em quê daquela falada no parágrafo anterior?
Basicamente, é escrita por especialistas (legitimados de alguma
forma, seja pela formação universitária específica ou pela
atuação profissional, ou por qualquer outro meio que lhes confira
autoridade no assunto). Normalmente tem um viés mais técnico,
utilizando uma terminologia comum à Teoria Literária e uma
metodologia científica. Mas, na prática, não há regras nesse
sentido. Há críticos – principalmente jornalistas e escritores –
que escrevem mais “coloquialmente” ou até de forma parecida com
a escrita de literatura mesmo.
2. Quem faz a
resenha?
- Os que têm
obrigação: estudantes; críticos literários; profissionais de
cadernos e revistas literários; o pessoal das editoras, para
promover suas publicações; leitores beta2;
enfim, qualquer um que tenha obrigação funcional de opinar sobre um
texto ou livro.
- Os blogueiros e
vlogueiros literários3
– boa parte escritores (mas
nem todos),
querendo criar um público e chamar a atenção do mercado editorial
para si e para sua forma de escrita, o que facilita em muito com que
sejam
aceitos
e publicados
por alguma editora.
- Qualquer um que
queira dar sua opinião e apresentar seus argumentos sobre alguma
leitura que o interessou.
3. Para que
resenhar?
Primeiramente: para
dar opinião (digna de ser ouvida – ou lida) sobre uma obra.
Vários são os
motivos que levam alguém a resenhar um livro. Seja como exercício
para memorizar melhor seu conteúdo ou para mergulhar mais
profundamente no texto (procurando as tais mensagens ocultas nas
entrelinhas ou a questão central da obra), seja para atender a uma
demanda profissional (caso dos críticos contratados ou de alguém
responsável pelo marketing e venda da obra), a resenha é uma forma
de dar a conhecer a obra sem, no entanto, detalhar conteúdos que
exauram a vontade de ler do leitor nem antecipem as surpresas da
trama (ou
seja, sem
“dar spoiler”).
Pelo viés do
leitor editorial,
João Varella, editor da Lote 42, ensina,
no curso Pulse
– Publique Livros, Crie Editoras,
que “se você quiser aprender a dar dicas macro4
para escritores, o melhor caminho é treinar fazendo resenhas de
livros, dizendo o porquê de ter gostado ou não ter gostado”. Isso
serve também para apurar as habilidades do leitor beta, ou do leitor
crítico5,
de repente até de alguns preparadores de texto (revisores) – sei
lá, tudo agrega.
Agora, para quem
pretende ser escritor, ter um canal (blog, site, vlog, etc.) em que
publique resenhas bem-feitas é um ótimo meio de atrair a atenção
das editoras para si e, mais que isso, de formar um público próprio
antes até de escrever o primeiro livro – o que conta imensamente
quando ele estiver pronto e a editora for analisar se é publicável
e promissor, como produto vendável, para eles.
4. Resenhistas em
jornais e revistas, blogueiros e booktubers.
Jornais e revistas
têm linha editorial e um controle profissional de escolha, qualidade
e adequação de conteúdos. Por serem negócios – dependentes de
lucro e com concorrência – não podem se dar ao luxo de permitir
que um resenhista diga o que bem entender, sob pena de criar uma
crise que pode prejudicar o nome da empresa. A própria escolha das
obras a serem resenhadas não é aleatória nem obedece,
necessariamente, ao gosto pessoal do resenhista (é comum que um
editor defina as obras). Assim, sua responsabilidade é grande, já
que é um porta-voz da revista ou jornal que representa. Sua
credibilidade está associada ao grau de liberdade que consegue
apresentar e à força dos seus argumentos na resenha, o que faz com
que os textos profissionais quase sempre sejam mais técnicos e
abalizados do que os dos blogs e vlogs pessoais. Textos mais “leves”,
nas revistas especializadas principalmente, quase sempre vem de
escritores consagrados, celebridades literárias ou jornalísticas,
que são convidadas para falar dos textos alheios.
A grande revolução
trazida pela internet no âmbito da comunicação está no fato de
que o controle saiu das mãos dos meios profissionais de comunicação
e foi para as dos próprios usuários. Hoje, qualquer pessoa produz e
publica o que quer na rede, podendo ser visualizado mundialmente.
Isso vale também para livros e autores, produtos antes publicados só
por editoras e que hoje são autopublicados em blogs, ou no Wattpad,
na Amazon, na Saraiva e em vários outros sites. As pessoas têm voz,
um canal livre para se divulgar e àquilo que fazem.
Nesse contexto de
total independência é que surgiram as resenhas dos blogs e vlogs.
Não há regras fixas, cada um diz o que quer. Há até quem faça,
por incrível que pareça, “resenha” de livro que nem leu ainda.
Os blogs, e principalmente os vlogs (porque seus conteúdos são em
vídeo) têm um alcance de público muito maior do que os jornais e
revistas (e quase sempre diferente, dependendo do formato da
publicação).
A maioria das
resenhas dos booktubers têm um tom muito coloquial e individual, já
que o vlogueiro quer chamar a atenção, antes de tudo (do livro
inclusive), para si e seu canal, alcançando seguidores e números
expressivos de visualização. Para fidelizar seu público, a
frequência de postagens de novos vídeos tem que ser relativamente
grande, o que pode comprometer negativamente a capacidade de leitura
profunda e de resenha das obras.
5. Uma crítica
impressionista.
Pessoas que não
conhecem Teoria Literária podem falar de literatura? Ou isso é
exclusivo a “iniciados”? É claro que podem. Afinal, quem veio
primeiro, o ovo ou a galinha, a teoria literária ou a literatura e o
leitor? Como disse Verônica
Valadares, do canal Vevsvaladares, criticada por falar de
Dostoiévski, “O único pré-requisito para você poder falar sobre
literatura é ler o livro. Isso vai te fazer ter cacife para falar de
literatura”.
Nas
palavras de Cory Doctorow (apud SHIRKY, 2012, p. 86)6:
“O fundamental é a conversa. O conteúdo é só uma coisa sobre a
qual conversar”. As resenhas literárias, profissionais ou
amadoras, sempre tiveram, historicamente, essa função de lançar à
discussão a literatura em si, através das obras literárias, para
que todo o cenário evolua. O preconceito existe apenas dentro da
Academia (Universidade e Associações Literárias), mas
aparentemente não atinge o deus da relação com o livro: o leitor
(que é quem, afinal, interessa).
6. Existe
crítica isenta?
Não. Toda crítica
pressupõe um julgamento, e todo juízo de valor é subjetivo (ainda
que se tente dar ares de objetividade na forma de analisar,
argumentar, redigir e apresentar conclusões). Todo o embasamento que
é feito – trazendo citações, referenciando estudos e pesquisas
importantes, apresentando comparações, estatísticas... – não
passa de justificativa para os próprios argumentos.
Tentar parecer o
mais isento possível tem a ver com o público a que a resenha se
dirige. Por exemplo: ao que parece, o público dos booktubers
mais
conhecidos se interessa mais na opinião pessoal de seu vlogueiro
preferido (alçado ao status de celebridade) do que nos argumentos
objetivos da resenha. Para esse público, notas de sinceridade e
referências ao impacto pessoal da leitura são muito mais
interessantes (isenção zero, e sem disfarces).
Se não existe
isenção há, no entanto, modos e modos de dizer: a crítica pode
ser moderada (diplomática), pode ser direta e franca (supersincera),
positiva (de incentivo, destacando as partes positivas) ou negativa
(maldosa, leviana, vingativa), abalizada ou de mera opinião, rasa ou
profunda, e por aí vai. O papel é um burro de carga, carrega o que
se colocar nele, mas é bom lembrar que quase toda crítica gera
respostas e é preciso estar preparado para as consequências.
7. Olhar 180º,
360º ou muito além (olhar de RX e visão além do alcance - “Olho
de Thundera”). Segredos dos bons críticos para os resenhistas.
Quando se abre um
livro completamente, isso é feito em 180º. Nesta posição, o que
se vê é o texto das páginas, só isso. Olhar em 180º é uma
maneira de dizer que o resenhista se aterá somente ao texto em si,
fazendo um close reading, não estendendo sua análise a
elementos extra, como design do livro, capa, tipo de papel,
contextualização com outras obras do autor, etc.
O olhar em 360º
ilustra o movimento de virar o livro em todos os ângulos e discutir
sobre a capa, a composição gráfica, a quarta capa, tipo de papel,
fonte utilizada, design, ou seja, coisas que vão além do texto,
mais ligadas ao objeto livro.
Um olhar de RX consiste, em ver
além do texto, procurando ver mensagens de fundo, intenções do
autor, contextualizando-o historicamente e em relação às outras
obras do escritor e à sua fortuna crítica.
E o que seria a brincadeira do
Olho de Thundera, da “visão além do alcance”? Consiste na
feitura de paralelos com outras áreas do saber, na inter-relação
com outros autores e escolas literárias, com outras formas de arte,
com a política, a religião, etc. Também na cogitação da
influência que a obra analisada tem na obra global do autor, na
evolução literatura em geral, no desenvolvimento do leitor, e assim
por diante, levando a discussões que podem seguir para qualquer
rumo, e que têm como limite apenas o arsenal cultural do resenhista.
8. Crítica e
autoestima dos autores.
Quem ler Um
Editor de Gênios,
de A. Scott Berg (Intrínseca), biografia de Maxwell Perkins, um dos
maiores editores de todos os tempos, verá o quanto a crítica,
principalmente a ruim, afeta a autoestima, a produtividade e a
escrita dos autores. Ele editou F.
Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway, Thomas Wolfe e muitos outros.
Alguns chegaram a pensar em deixar de escrever por serem criticados.
Levando
em conta que a crítica ruim afeta o autor, é preciso considerar: 1)
um escritor não nasce pronto, evolui à medida que escreve; 2)
criticar é muuuito mais fácil do que escrever. Se é gasta uma
semana para escrever uma resenha, são gastos meses – até anos –
para escrever um livro.
Portanto,
respeite a carga7,
o trabalho do autor, do editor, etc. Não digo para só falar bem de
tudo, mas vá com cuidado, positivamente, com jeito. Como eu já
disse antes, há formas e formas de dizer verdades, procure a menos
dolorosa e que traga um incentivo para a melhora, não para a
desistência.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BAYARD,
Pierre. Como
falar dos livros que não lemos?
; tradução de Rejane Janowitzer. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.
CANDIDO,
Antonio. Crítica impressionista. Remate
de Males,
Campinas, SP, dez. 2012. ISSN 2316-5758. Disponível em:
<https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/remate/article/view/8635988>.
Acesso em: 05 abr. 2018.
doi:https://doi.org/10.20396/remate.v0i0.8635988.
JEFFMAN,
T. M. W. . Literatura compartilhada: uma análise da cultura
participativa, consumo e conexões nos booktubers. Revista
Brasileira de História da Mídia
, v. 4, p. 99, 2015.
NINA,
Cláudia. Literatura
nos jornais : A critica literária dos rodapés às
resenhas.
- São Paulo : Summus, 2007.
PROSE,
Francine. Para
ler como um escritor: um guia para quem gosta de livros e para quem
gosta de escrevê-los;
tradução de Maria Luisa X. de A. Borges. - Rio de Janeiro : Zahar,
2008.
SALVADOR,
Vitor Celso. . O
impressionismo crítico de Medeiros e Albuquerque (1867-1934) no
estudo de romances brasileiros (1897-1908).
In: II Colóquio da pós-graduação em Letras, 2010, Assis. Anais
CPGL: II Colóquio da pós-graduação em Letras -"Literatura e
vida social", 2010.
VASCONCELLOS,
Karine Menezes. Narrativas
Migrantes: o papel dos youtubers na construção de um novo discurso
midiático;
Início: 2016; Dissertação (Mestrado em Comunicação) -
Universidade Federal de Juiz de Fora; (Orientador);
Notas
1
Ou, no mínimo, um monólogo. Ainda
que o leitor não responda ao autor do que está lendo, o diálogo
existe na medida em que: 1) o texto só toma existência
(parafraseando Ricardo Piglia em entrevista sobre seu livro O ùltimo
Leitor), só tem vida, quando é lido, o que pressupõe a existência
de uma segunda pessoa além do autor: o leitor; 2) Um texto, como um
rio, nunca é o mesmo quando visto uma segunda vez pela mesma
pessoa, quem dirá por outra. Cada um interpreta o que lê de acordo
com suas próprias experiências prévias (psicológicas, de vida,
de formação, de classe social, etc.). Assim, o texto reverbera
filtrado pela mente do leitor, que o recebe, o questiona (está
questionando o autor), convalida ou não suas partes, de acordo com
seu próprio gosto e vivência.
2
Leitor beta, ou beta
reader,
é uma pessoa que lê criticamente um original assim que o autor
acredita ter uma versão publicável. Ou seja, em tese é o segundo
a ter contato com o texto. A finalidade é apontar falhas e sugerir
opiniões sinceras para melhorá-lo, antes de ser apresentado a uma
editora (onde passará por leitura crítica e revisões antes de ir
para o prelo e ser, finalmente, impresso). Há gente prestando esse
serviço profissionalmente, já que pressupõe certos conhecimentos
que vão além do “leitor ingênuo”.
3
Os vlogueiros literários são chamados booktubers.
4
Sobre estrutura da narrativa,
problemas nos diálogos, questões relativas à concisão, clareza,
precisão, ou incoerências, excessos desnecessários, enfim, o que
funciona e o que não funciona num texto.
5
Referindo-se ao leitor crítico estamos falando de quem faz uma
análise específica com viés editorial (para diferenciar do leitor
beta, embora este também possa ter qualificações nesse sentido).
Pode ser contratado mas, muitas vezes, o próprio editor faz tal
leitura, ou alguém responsável pela análise de originais da
editora.
6
SHIRKY,
Clay. A
cultura da participação:
criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro:
Zahar, 2011.
7
Há uma historinha dizendo que Napoleão andava na companhia de uma
princesa por uma passarela quando apareceu um serviçal, empurrando
um carrinho com uma carga pesada, para cruzar-lhes o caminho. Embora
fossem personalidades muito importantes, o que faria com que o
serviçal esperasse, Napoleão parou e fez com que a princesa
passasse dizendo: “respeite a carga”.
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