INDÚSTRIA CULTURAL
Juliano Barreto
Rodrigues
As leituras de Adorno e
Horkheimer (1985), Marx (2011) e Benjamin (1969), suscitaram as seguintes
reflexões, acerca da Indústria Cultural:
Theodor Adorno e Max Horkheimer,
em Dialética do Esclarecimento, cunharam a expressão “Indústria Cultural”,
designativa da concepção de produção/reprodução em massa (característica do
sistema fabril-industrial capitalista) de bens culturais. A reprodutibilidade
técnica das obras artísticas, possível com a evolução tecnológica, fez com que
saíssem da condição de obras únicas (de fruição limitada a poucos privilegiados
que a elas tinham acesso) e alcançassem as massas. Isso operou mudanças radicais:
seguindo a lógica da produção em série, violou a lógica da exclusividade,
tornando aquilo que tinha valor “imaterial” em produto livremente
comercializável, com valor de coisa (reificação) segundo a lógica capitalista;
também afetou a “aura” do original artístico; além disso, naturalizou (ou
desmistificou) pela democratização do acesso, a arte e a criação artística,
objetificando a obra de arte (obra do espírito) e o artista, que foi se
tornando, historicamente, em um trabalhador, que precisa atender as demandas de
um mercado baseado na reprodução em escala industrial das criações.
Segundo essa lógica, da produção
capitalista, a cópia do objeto de arte é acessível a quem pode pagar (os preços
são muito mais baixos do que da obra original) e, para os responsáveis pela
alimentação desse mercado da reprodução, é possível criar demandas, seja
educando/direcionando o gosto coletivo, fomentando modismos, da mesma maneira
que também é possível controlar a própria produção artística, já que a arte
válida será aquela que seguir certos padrões de mercado (se um determinado
estilo vende, o artista que se preze será aquele que cria conforme aquele
estilo, desviando-se minimamente, só até onde a própria indústria cultural veja
margem para fomentar novas demandas de consumo).
Indústria Cultural, na acepção da
expressão dada por Adorno e Horkheimer, está baseada na reprodutibilidade dos
bens culturais (agora produtos), voltados a um mercado consumidor (ao lucro).
Esse mercado funciona como outro qualquer, onde atendem-se ou criam-se as
demandas e os produtos para elas, a custo razoável para o público visado e
garantindo altíssimos lucros para as corporações dessa indústria (sobre volume
e segundo as leis capitalistas da oferta e da procura).
Em lugar daquela concepção de arte
como “rasgo do espírito”, maneira do ser humano alcançar a Deus, a perfeição,
surgiu uma ideia diferente, de arte como produto, que precisa ampliar seu
mercado, seu público, precisa ser consumida, precisa atingir o máximo de
pessoas possível. Para isso, em vez seguir rumo àquela “elevação” (daquela
concepção de arte anterior à era da reprodutibilidade técnica), a arte foi para
o rumo contrário, foi se aproximando da terra, se humanizando, ao ponto de se
aproximar cada vez mais da realidade rotineira das pessoas (talvez por isso a
autoficção, por exemplo, seja o gênero mais em voga). As personagens e lugares
dos livros, dos quadros, dos filmes, se parecem com as pessoas e paisagens
comuns, porque os consumidores têm que se identificar com eles. A desempedestalização
da arte, rumo ao vulgo, popularizou-a e tornou-a menor em certo sentido, fez do
artista um trabalhador e da sua obra um produto a satisfazer o senso comum
(para ser consumida).
Fala-se muito da fotografia como
representação do início do processo de reprodutibilidade que abriu caminho para
a indústria cultural, que alcançou seu ápice com o cinema e a televisão. No
entanto, a prensa de tipos móveis, muito anterior, é verdadeira precursora
dessa Indústria Cultural. Talvez não seja tão referida porque anterior à
Revolução Industrial. Mas imagine: até a Bíblia era reproduzida antes por
copistas e, nesse processo artesanal, com iluminuras etc., cada volume era uma
obra de arte a parte, caríssima, escassa e, portanto destinada a pouquíssimos
(até porque era escrita, originalmente, em hebraico, aramaico e grego). Com a
prensa de Gutenberg e as traduções para a vulgata latina, o acesso se
popularizou enormemente. A igreja inicialmente reagiu, porque queria manter sua
exclusividade na divulgação e interpretação da “palavra”, mas depois se
adaptou, passando inclusive a rezar missas na língua dos fiéis. Com o aumento
da alfabetização, da publicação de panfletos e livros, um mercado se formou -
só possível por uma tecnologia de reprodução industrial e venda - e muitos o
usaram para educar as massas conforme alguma ideologia.
De lá para cá, com o crescimento
da Indústria Cultural, observa-se que a imposição coletiva e massiva dos bens
culturais, feita de um modo que todos consumam os mesmos bens, tenham os mesmos
desejos, reproduzam a mesma forma de pensar, gerou um processo de alienação em
massa (a luz que ilumina é em excesso a luz que cega), onde as pessoas são
iguais até em suas diferenças (e esta sociedade expurga os outsiders).
Conforme Adorno e Horkheimer
disseram, em 1947,
A passagem do telefone ao rádio separou claramente os
papéis. Liberal, o telefone permitia que os participantes ainda desempenhassem
o papel do sujeito. Democrático, o rádio transforma-os a todos igualmente em
ouvintes, para entregá-los autoritariamente aos programas, iguais uns aos
outros, das diferentes estações. Não se desenvolveu nenhum dispositivo de
réplica e as emissões privadas são submetidas ao controle. (ADORNO, HORKHEIMER,
1947, p. 57).
Hoje, a realidade é um pouco
diferente e esse domínio quase absoluto da Indústria Cultural parece estar
sendo posto em xeque. Com o surgimento da internet, com as possibilidades de
comunicação social via rede mundial de computadores, quase todo mundo se tornou
protagonista, não só replicando, mas produzindo informação. Em um processo
tecnologicamente democrático, há uma disseminação não controlada (ou menos
controlada) e descentralizada de dados, opiniões, com a criação de demandas de
forma mais ou menos caótica. Valorizam-se os nichos, que vivem e crescem
paralelamente ao padronizado. Fala-se em mercados, no plural, em públicos,
também no plural. O movimento de contração e centralização anterior, parece ter
dado lugar à dispersão e descentralização.
Antes, por exemplo, o mercado
editorial controlava, quase exclusivamente, a literatura que era publicada. Mas
surgiram blogs, ferramentas de autopublicação, comunidades alternativas de
leitores e escritores. Também surgiram resenhistas e “vlogs” que tiraram das
instituições (academia, jornais, meios literários “oficiais” e outros meios
autorizados) a exclusividade da formação de opinião e eleição do que deveria ou
não ser lido e escrito.
Os representantes da Indústria
Cultural ditam, cada vez menos exclusivamente, a produção artística. Mas se
adaptaram (ou criaram, eles mesmos, uma nova realidade?): como tudo circula nas
redes e é indexável, contabilizável, analisável (a adesão a qualquer coisa ou
pessoa é verificável; o número de seguidores e likes é dado revelado etc.),
essa Indústria tem à disposição um instrumento de pesquisa, atualizado em tempo
real, acerca de todas as tendências em qualquer campo que lhe interesse. E isso
lhe permite entrar e aproveitar cada variação, cada nicho de mercado, trazendo
para si o que tem público consumidor (tornando, por exemplo, aquele autor de
blog, com 100.000 seguidores, alguém do seu catálogo, ou então publicando
coisas parecidas com as que ele produziu etc.). Nota-se, portanto, que a
Indústria Cultural não está em crise nem perdeu o seu poder. Continua a
controlar, mas de forma mais invisível (aparentemente colaborativa e menos
impositiva), o que se “consome” de arte e cultura. Agora, pelo menos, qualquer
artista tem voz e espaço para divulgar sua arte e alcançar algum público. A
Indústria cultural é co-criada, não dá as cartas sozinha. Mas não se engane,
está maior do que nunca.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
ADORNO, Theodor W; HORKHEIMER,
Max. (1985), Dialética do Esclarecimento. Fragmentos Filosóficos. 1947. (Dialektik
der Aufklärung – Philosophische Fragmente). Theodor W. Adorno. &. Max
Horkheimer. 24 páginas. Disponível em: <
https://www.netmundi.org/home/wp-content/uploads/2014/04/Adorno-e-Horkheimer-A-ind%C3%BAstria-cultural.pdf>.
Acessado em: 29 jun. 2022.
MARX, Karl. O caráter fetichista
da mercadoria e seu segredo. In: O Capital. Vol I. São Paulo : Boitempo, 2011.
pp. 204-218. Disponível em:
<https://www.gepec.ufscar.br/publicacoes/livros-e-colecoes/marx-e-engels/o-capital-livro-1.pdf/view>.
Acessado em 30 jun. 2022.
BENJAMIN, W. A Obra de Arte na Era de Sua
Reprodutibilidade Técnica. In: GRÜNEWALD, J. L. (trad. e org.). A Ideia do
Cinema: Ensaios de Walter Benjamin, Eisenstein, Godard, Merleau-Ponty. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1969. pp. 165-196. Disponível em:
<http://www.hrenatoh.net/curso/artetec/txt_benjamin.pdf>. Acessado em 29
jun. 2022.
parabéns
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