Depois de um bom tempo sem postar nada (estou preparando um livro técnico) volto a ativa.
Conjecturando
Sempre
faço relações entre a escrita e as outras formas de arte. A
comparação me ajuda a entender de maneira mais fácil tanto uma
quanto as outras e, talvez, tenha a ver com minha formação (não acadêmica) em pintura, música
e escrita. O contato com essas três formas de expressão me levaram
a reconhecer a arte como uma coisa só, suas modalidades aprimorando
umas as outras. Meu cérebro artístico funciona assim:
-
Ouvir uma boa peça musical (e racionalizá-la) me ajuda, por exemplo, a
escrever uma ficção tentando alcançar um ritmo, períodos de
calmaria, de pré-climax e de climax, e a terminar com uma cadência
perfeita. Se eu for pintar, me ajuda também a imprimir o movimento e
a harmonia em uma cena, por exemplo.
-
Se vejo uma bela tela, aprendo a redigir de modo a não descrever
friamente algo e sim mostrar as cenas com palavras, destacando
estados de espírito, estímulos aos sentidos, nuances e expressões,
etc.
- Se um texto arrebata,
o que pinto deve ter a mesma capacidade de imediatamente tocar,
prender e impressionar o admirador.
- Uma música deve ter
um colorido e as notas dever compor frases interessantes.
E
por aí vai.
A
relação entre as artes não é invenção minha e há muito
publicado nesse sentido. Como disse, lá no século XVII, o pintor
francês Charles Alphonse Du Fresnoy: “Um poema assemelha-se a um
quadro; deste modo um quadro deveria também assemelhar-se a um
poema… Um quadro é muitas vezes considerado como poesia muda; e a
poesia um quadro falante” (FRESNOY apud
WIMSATT;
BROOKS, 1971, p. 320).
Ainda relacionando literatura e artes visuais, destacam-se os
estudos da Retórica Visual, que mescla o conceito de retórica - mais afeto
à escrita - às possibilidades do desenho, da pintura, do design,
etc..
Também a idéia de Ekphrasis, que em sentido amplo significa a
representação verbal da representação visual – conceito que eu
amplio mais ainda, propondo o vice-versa – vai no mesmo sentido da
prova do mutualismo, que acho natural, entre as artes.
No
cinema, a transformação do escrito em imagens, inclusive com
efeitos especiais e fundo musical (que dá todo um plus de emoção),
revela várias possibilidades da simbiose entre as modalidades artísticas.
Sinceramente, não
creio que o artista possa viver circunscrito a sua especialidade.
Pode até ser que produza somente esculturas, por exemplo, mas a
fonte de que bebe deve ser bem mais ampla. A criatividade se alimenta
da vida mas, obviamente, a educação do gosto, a sofisticação dos
sentidos, a comparação crítica, a percepção de convenções e
tendências artísticas, se adquire muito no convívio com as artes e
seu meio – no plural.
Não tenho preguiça de
fazer analogias. Pensar uma variante artística através de outras
ajuda a aprofundá-la. Ajuda também a manter a mente desperta,
receptiva e rica de referências.
No final das contas,
tudo se resume a uma coisa só: arte! Tanto faz o meio mais
confortável e preferido pelo artista para se expressar (aquele em
que é mais competente e livre). Arte é arte. Limitar-se é fechar o
foco em uma coisa só e se tornar bem menor do que poderia ser.
REFERÊNCIA
WIMSATT
JR., William K.; BROOKS, Cleanth. Crítica
literária: breve história.
Trad. Ivette Centeio e Armando de Morais. Lisboa: Calouste
Gulbenkian, 1971.
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