O Coletivo

Blog do escritor Juliano Rodrigues. Aberto a textos gostosos de quem quer que seja. Contato: julianorodrigues.escritor@gmail.com

segunda-feira, 29 de agosto de 2016



                                               LEITORES INFIÉIS

                                                                  Juliano Barreto Rodrigues


Desejo leitores infiéis. Que leiam muito além daquilo que escrevo. Promíscuos mesmo, capazes tanto de se esfregar com textos marginais quanto com os considerados “da elite”. Não reverenciem sequer os clássicos que não lhes toquem e que soltem pelo meio – sem titubear – qualquer escrito chato (retornando a ele se e quando bem entenderem, sem pedir desculpas).

Parceiros volúveis, amantes do que presta em cada página e, ao mesmo tempo, críticos mordazes do que não salva. Relação madura e íntima, com altos e baixos, sem amor cego nem dedicação exclusiva. Para gozos casuais ou algo mais.

É regra: ninguém suporta absoluta constância. Pessoas (incluindo as que leem), personagens e textos maniqueístas são terríveis. Sem oscilações no enredo, sem conflito na trama, sem dramas de consciência, não se consegue nem leitores infiéis: não se consegue leitores.

Por isso, procuro gente verdadeira, que volte aos meus rabiscos quando deles se lembrarem: como primeira ou última opção na agenda. Garanto que minhas palavras serão amantes sempre tórridas e de braços – e pernas – abertos. Dadas e igualmente infiéis*.

'Minhas palavras...', quanta pretensão. São minhas só até saírem do meu útero de autor. Paridas, tomam rumo próprio. Na tentativa de segurá-las, meto-lhes alianças, assinando meu nome.  Mas tirando as que engaveto, todas as outras vão para o mundo. Quando me deparo com alguma delas por aí, estão feitas. Me sobra um deleite incestuoso, nunca livre de alguma crítica tardia e inócua.

No ocaso desta reflexão percebo que não sou eu quem precisa de leitores. São elas, as palavras que emendei e que vivem além de mim. Criações que têm data de nascimento, destino incerto e que, espero eu, morram muito depois do autor. Então, me corrijo: desejo - A ELAS - muitos (e muito infiéis) leitores.



* Uma autocrítica urgente:

E isso de sempre usar o sexo como metáfora para falar da escrita? Se bem cabido neste texto, noutros tantos revela, por um lado, o prazer do autor pela arte, por outro, uma redundância a empobrecer o estilo. É um cacoete a se livrar. Leitores sofisticados não perdoam lugares-comuns, especialmente se repetitivos.


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