PAI
ESCRITOR – PARTE III – A REDENÇÃO
Juliano
Barreto Rodrigues
Meu bebê tem agora um ano e um mês. Nossa, o tempo que
parecia nunca passar, passou voando. Aquele ser que só balbuciava e
chorava não para mais quieto, e o nosso mundo gira ao seu redor.
Graças a Deus aqueles primeiros meses se foram. Sem brincadeira,
tenho trauma dos três iniciais.
Tive depressão pós-parto, que tecnicamente acontece só
com a mulher. Cheguei a tomar um tarja preta, mas como bebi todos os
dias desde um mês antes do nascimento até seis meses depois,
larguei o remédio (a mistura era indigesta). O que importa é que,
seja a base de remédio ou de álcool, no fim sarei.
Meu problema foi a mudança de hábitos, não o nenem.
Ele, por sinal, sempre foi muito cooperativo. Acredito até que o
carisma dele que me curou.
Ser pai é incrível! A vida vai para outro patamar. Sei
que é muito clichê dizer isso, mas é uma experiência que todo
homem deveria viver. Descobre-se um amor esquisito, visceral,
atômico. Uma força descomunal, que domina toda célula da pessoa,
transformando-a. É uma abdução alienígena, com direito a
reprogramação mental completa.
E sobre escrever e ter filho? - aliás o tema dessa
conversa - Ah, é aquilo de que já havia falado: não sobra tempo.
Se pegar uma caneta e um papel, o bebê toma na hora; computador? –
brinquedo dele; celular então? – tente mandar uma mensagem que
seja, ele salta sobre o aparelho e o mete na boca. É TU-DO dele.
Escrever se torna um ato furtivo, algo que se faz escondido e às
pressas quando se consegue assumir, por alguns segundos, a identidade
secreta de escritor.
Em uma entrevista que dei para uma mídia alternativa de
Portugal, que está trabalhando em uma matéria sobre gente que
escreve em blogs e coisas afins, me perguntaram sobre a rotina de
escrita. Eu disse: “Rotina? Isso é o que eu não tenho. Na
verdade, tenho um namorico com a literatura. Penso nela todos os
dias, tenho amor, paixão e desejo, mas só nos encontramos de vez em
quando (para um sexo rápido, kkkkk). É o que dá. Sonho em noivar e
casar, mas já tenho esposa e filho. Embora tenha certeza de que eles
não vão ficar chateados com essa bigamia. Por enquanto, eu e ela (a
literatura) vamos continuar nos pegando escondidos”.
Por outro lado, ter ideias se torna mais fácil. Quem
escreve depende de musas, e um filho por quem se tem adoração
absoluta é uma musa mega power. Todas as possibilidades do
mundo invadem a cabeça. Os sentimentos mais recônditos e as
sensações esquecidas lá na infância brotam do nada e crescem
instantaneamente, feito feijões mágicos fertilizados com adubo de
Kripton. Tudo fica superlativo, adjetivado e adverbiado. O cérebro é
invadido pelo coração. Não mais se raciocina friamente. Tudo agora
é quente e sentimental. É como se evoluíssemos de repente para uma
mente feminina, capaz de pensar e sentir intensamente a um só tempo.
No frigir dos ovos, o escritor ganhou. Se falta tempo,
sobram ideias. O sentimento de urgência torna o cérebro mais
eficiente. A necessidade – e é isso que a escrita é para mim –
faz o sapo pular. Ser pai inspira e me torna mais criativo. Basta
você pensar nas mil artimanhas que se desenvolve todos os dias para
fazer uma criança comer – a gente vira PHD na arte da distração,
e escrever ficção é justamente isso, distração e entretenimento.
No fim, tudo tem que ser, ou parecer, o mais divertido possível,
senão, não desce.
Venero a escrita – porque me dá uma liberdade imensa.
Mas adoro muito mais meu filhote – a quem me prendo
voluntariamente. Eis a relatividade das coisas.
Nas artérias que irrigam o braço do escritor correm a
plenitude, o carinho, a presença do filho. Assim, as palavras que
escorrem no papel já não são só do autor, mas da dupla que
formam. Então, que essa parceria dê belos frutos!
Como pai coruja, peço, para fechar nossa conversa, que
permitam um recado ao meu inspirador:
– Obrigado por existir, meu amor!
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