O Coletivo

Blog do escritor Juliano Rodrigues. Aberto a textos gostosos de quem quer que seja. Contato: julianorodrigues.escritor@gmail.com

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Nova Babélia

Da animação "Matuto no Cinema", de Jessier Quirino.

NOVA BABÉLIA

 

 Juliano Barreto Rodrigues

 

Inácio deu um pulo quando viu o anúncio da vaga. Recém-formado em Jornalismo, na capital goiana, não a via hora de deixar o açougue em que trabalhava. A vaga era num vilarejo em Minas Gerais, uma corrutela rica chamada Nova Babélia, quase na divisa com Goiás. Precisavam de um repórter que fosse “bom com as palavras”, só isso. Salário? Três vezes o que ganhava destrinchando carne.

Como não tinha periquito a quem dar água, nem medo de aventura, Inácio partiu, convicto, para o interior mineiro. Foi recebido por um contínuo na rodoviária e encaminhado para a sede do jornal. No caminho, o menino lhe advertiu que o Sêo Neném, apelido de Pedro Roseta, homem mais entendido das coisas da região, é quem o entrevistaria para a vaga.

Em frente à edificação do Folha de Babélia havia uma pracinha de uma árvore só, cheirando a rosas e esterco de cavalo. Seu interlocutor estava lá, sentado no banco de ipê, fumando um pitinho de palha. Chapelão de piaçava na cabeça, camisa listrada, calça marrom pega marreco e botina com sola de pneu. Destoou do paletó preto do candidato e de seu cabelo amansado a base de goma. Este pensou consigo: “deixa estar, melhor passar de almofadinha do que de desleixado para o patrão”.

Sêo Neném foi simpático. Disse que o serviço era “sossegadim”, bastava ir onde houvesse notícia, principalmente política, falar com as pessoas e fazer a resenha para o jornal. Encaminharam-se para a porta do Diário e avistaram uma figura elegante vindo em sua direção.

– Dotô presidente Enrico, como está passando, cumpadre véio? – disse Sêo Neném. – Soube de um fuzuê envolvendo aqueles dois vereadores mal'amados ontem. Ah, péra um cadim, deixe eu fazer as honras – Virou-se para nosso ainda açogueiro e falou: – Rapaz, espia só: este é Dotô Enrico, presidente da Câmara de Vereadores daqui de Babélia, homem batuta, cultíssimo, descendente dos Paraguaçu, lá de Sucupira na Bahia.

– Boas tardes, mancebo. O que o traz a nossa bela urbe?

Com a cara apatetada, o candidato ia responder mas foi interrompido por Sêo Neném:

– Tá aí sua primeira prestância, moço. Nosso presidente traz uma notícia que o povo daqui vai adorar, uai. Picuinha de gente graúda. Mexerico que vai dar falatório pra semana toda. Diz aí, meu cumpadre. Que troço foi aquele?

– O edil assestado, engalanado na beca, eclodiu do átrio com as fácies descortinando um ar lustral, pendeu a ilharga sestra e deu-se com o êmulo camarista ventrudo de dedo em riste e tendente a lhe esbordoar. Se bem que cabido, o vetusto agonista não anelava embater-se com um antagonista finório, traquejado no ofício do aliciamento, capaz de embuçar o abalo, salientando uma efígie distensa, para vergar toda a sanha em serventia própria. O marau urdiu uma tergiversação bem-lançada, desalinhou o siso do rixento vituperante, mitigando a bile a tal passo que o primata lhe obsecrou escusas e apercebeu-se tão pecante, a altura de hipotecar todos seus votos da legislatura corrente. Que azêmola!

– ? – foi o que significou o queixo caído e a expressão de Pedro Bó do candidato. Aturdido, perguntou ao seu patrono: – Me desculpe Sêo Neném, o senhor poderia me explicar melhor o acontecido?

– Claro, meu caro. O nobre amigo quis dizer que o parlamentário da cara azeitada, um mutreco tinhoso, entrando no paço deu a banda pra sinistra, topando a fuça com o dedão do abatufado garnizé, que lhe queria dar com os cascos. Intão, desprecavido, acabou abraçando a própria serpente da macieira. O maganão veio com uma lenga-lenga aprumada, mutreta de profissional, sabe? Espiticou a cacholinha do balofo, que vergou tanto, até mostrar os fundilhos, uai. Mansinho feito cordeirinho, ficou tão encabulado, achando que tinha feito feio, que não só pediu 'discuipa', como ainda ofereceu as patas pra corrente: disse que conluiava com a raposa até o fim do mandato. Eita trem besta!

Assombrado, nosso moço perguntou: – Todo mundo aqui fala assim?

– Assim como? Português? – respondeu Pedro Roseta, que continuou: – Não. Temos uma vila de japoneses que falam lá a língua deles.

Depois de um minutinho de silêncio, em que o rapaz ficou olhando a rua por onde tinha chegado e lembrando do anúncio de emprego, que dizia “bom com as palavras”, teve saudade do açougue. Então, surpreendeu seus novos conhecidos:

– Licença, vou só ali comprar uns cigarros.



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