O Coletivo

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segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Van Gogh , 1890. No Limiar da Eternidade

E SE SOUBÉSSEMOS O DIA DE NOSSA MORTE?

Juliano Barreto Rodrigues

Desde criança Teobaldo se preocupava com o diacho da incerteza sobre quando morreria. Uma daquelas encafifações que se metem na cabeça da gente sem serem convidadas, surgidas sabe-se lá de onde. Fato é que todos os dias martelava a cabeça de dona Isaura, sua mãe, com essa tétrica obsessão.

Adolescente, recorreu a todos os videntes da cidade. Houve quem dissesse que passaria dos noventa, outro que morreria de desastre aos vinte e cinco, um falou que teria um infarto aos quarenta e poucos, mas ninguém arriscou uma data.

Inconformado, ficou sabendo de uma oração portuguesa muito antiga, chamada Sonho de Nossa Senhora, que prometia o aviso da data do finamento, com antecedência de três dias, a quem a rezasse uma trinca de vezes diariamente. Achou o contrato muito econômico: “só três dias?”. Melhor do que nada. Passou a fazer a oração não três, mas quatro vezes, para ver se conseguia como bônus alguma antecedência no comunicado.

Já na meia idade, casado, três filhos, o sonho de vê-los adultos e pai de seus netos, Teobaldo mudou de ideia. Veio o medo de morrer cedo e ter seus planos frustrados. Foi consultar a mãe sobre como voltar atrás com Nossa Senhora. Dona Isaura viu, no homem-feito, os olhos infantis que há muito não via e, tomando suas mãos, disse: “Você foi bulir com a santa por capricho, meu filho. Ela já é tão ocupada, agora vai ter que desfazer o bem bolado há tanto acertado? Não vejo outro jeito, o trabalho vai ter que ser seu: reze todos os dias a oração e, na parte que diz 'Três antes da sua morte minha Mãe Maria Santíssima aparecerá', você mude para 'não aparecerá'. E torça para não chegar perto de morrer antes de compensar o mesmo número de vezes que rezou pedindo para saber.”

Seis vezes por dia. Teobaldo parava tudo para desrezar aquela parte. Pelo menos havia uma solução. Se pulava uma, fazia duas. Com os cinquenta anos lhe pesando no lombo, já tinha dois netos crescidinhos. Pelas suas contas, faltava pouco para saldar o distrato. Logo dormiria aliviado. Naquela noite, bebeu seu chá ali pelas dez e se deitou. Foi quando teve O Sonho.


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