Van Gogh , 1890. No Limiar da Eternidade |
E
SE SOUBÉSSEMOS O DIA DE NOSSA MORTE?
Juliano Barreto Rodrigues
Desde criança Teobaldo se preocupava com o diacho da
incerteza sobre quando morreria. Uma daquelas encafifações que se
metem na cabeça da gente sem serem convidadas, surgidas sabe-se lá
de onde. Fato é que todos os dias martelava a cabeça de dona
Isaura, sua mãe, com essa tétrica obsessão.
Adolescente, recorreu a todos os videntes da cidade.
Houve quem dissesse que passaria dos noventa, outro que morreria de
desastre aos vinte e cinco, um falou que teria um infarto aos
quarenta e poucos, mas ninguém arriscou uma data.
Inconformado, ficou sabendo de uma oração portuguesa
muito antiga, chamada Sonho de Nossa Senhora, que prometia o aviso da
data do finamento, com antecedência de três dias, a quem a rezasse
uma trinca de vezes diariamente. Achou o contrato muito econômico:
“só três dias?”. Melhor do que nada. Passou a fazer a oração
não três, mas quatro vezes, para ver se conseguia como bônus
alguma antecedência no comunicado.
Já na meia idade, casado, três filhos, o sonho de
vê-los adultos e pai de seus netos, Teobaldo mudou de ideia. Veio o
medo de morrer cedo e ter seus planos frustrados. Foi consultar a mãe
sobre como voltar atrás com Nossa Senhora. Dona Isaura viu, no
homem-feito, os olhos infantis que há muito não via e, tomando suas
mãos, disse: “Você foi bulir com a santa por capricho, meu filho.
Ela já é tão ocupada, agora vai ter que desfazer o bem bolado há
tanto acertado? Não vejo outro jeito, o trabalho vai ter que ser
seu: reze todos os dias a oração e, na parte que diz 'Três antes
da sua morte minha Mãe Maria Santíssima aparecerá', você mude
para 'não aparecerá'. E torça para não chegar perto de morrer
antes de compensar o mesmo número de vezes que rezou pedindo para
saber.”
Seis vezes por dia.
Teobaldo parava tudo para desrezar aquela parte. Pelo menos havia uma
solução. Se pulava uma, fazia duas. Com os cinquenta anos lhe
pesando no lombo, já tinha dois netos crescidinhos. Pelas suas
contas, faltava pouco para saldar o distrato. Logo dormiria aliviado.
Naquela noite, bebeu seu chá ali pelas dez e se deitou. Foi quando
teve O Sonho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário