O Coletivo

Blog do escritor Juliano Rodrigues. Aberto a textos gostosos de quem quer que seja. Contato: julianorodrigues.escritor@gmail.com

domingo, 3 de dezembro de 2017

Literatura classificada: adulta, infanto-juvenil, impressa, digital – qual o tamanho das diferenças?





Juliano Barreto Rodrigues

O leitor infanto-juvenil de hoje é diferente daquele da minha época: conheci a internet já adulto. O livro impresso era o suporte que conhecia; o tempo para ler era diferente, não havia uma avalanche de informações sobre mim a todo segundo; as minhas escolhas de leitura eram mais pessoais, solitárias e independentes. Hoje, os meninos leem muito na tela do computador e do celular; escolhem por indicação de seus grupos ou de quem “seguem”; escaneiam o que lhes cai nas mãos, antes de efetivamente lerem, ou então, ficam só na leitura das partes que lhes interessam mais; com tempo exíguo e tanta coisa para fazer, é difícil as leituras longas, lentas, exclusivas; por outro lado, compartilham, interagem, colecionam, e remixam suas experiências com muita facilidade. Logicamente, estou generalizando.

Há uma leitura para adulto e outra para crianças e adolescentes? Na minha opinião, sim. Embora alguns temas sejam interessantes tanto para uns quanto para outros, há muitos que só interessam em certas fases da vida. Algumas temáticas profissionais, por exemplo, podem agradar determinado público adulto, mas não teriam o menor cabimento no universo infanto-juvenil. O tratamento dado ao de sexo, à violência, à degeneração psicológica e social, também precisa ser cuidadoso em uma fase de formação. A maneira de dizer as coisas também faz muita diferença: um mesmo tema pode ser tratado de forma sutil ou bruta, abstratamente ou de forma concreta, sugerindo reflexão ou chocando. A mágica do escritor está aí, na forma.

Formação. Para mim esta palavra resume a preocupação com a escrita feita para não adultos. Advogo enfaticamente uma literatura absolutamente livre de função moral para adultos. Porém, com ênfase ainda maior, defendo a necessidade de que toda literatura infanto-juvenil tenha cunho formativo-moral. O autor que se posiciona conforme o que eu disse, submete a um “filtro” toda a sua escrita, desde a escolha do tema, a caracterização das personagens, utilização ou não de imagens, a montagem do enredo e do conflito, até a decisão pelo final, que se não concludente e positivo, pelo menos não contrarie a impressão geral de que o livro trouxe uma mensagem de crescimento. Esta limitação na arte é o preço que o artista paga por se decidir a escrever para um público vulnerável. Excesso de zelo ou não, ainda que defensor ferrenho da liberdade da criação artística, prefiro, neste caso, pecar pelo exagero.

Outra coisa: a judicialização da humanidade, com todo o mundo processando todo mundo; a comunicação irrestrita, que tanto constrói quanto destrói rapidamente reputações, marcas, instituições – são motivos mais do que suficientes para que as editoras temam certa polícia moral, que não aceita bem a abordagem de temas tabu (nem na literatura adulta) ou a exposição de alguns temas, palavras e formas, para crianças e adolescentes.
                                         

Antigamente (não num passado distante, coisa de poucos anos atrás), um autor tinha tempo de introduzir devagar o leitor na história. Hoje, não. Se o título, a primeira frase, os primeiros parágrafos, não forem muito bem pensados para causar um efeito imediato, se os capítulos não forem curtos e subtitulados (o que causaria desespero em Dionísio Longino), com ganchos que puxem o interesse para o que vem a seguir, o livro simplesmente não será lido. O leitor mudou a forma de escrever. E não é um fenômeno só da literatura: Robert McKee, mestre dos roteiristas hollywoodianos, faz a mesma comparação relacionando cinema e as séries. Ele afirma que a dinâmica das séries – muito mais rápidas, imediatas e com uma sucessão de impactos emocionais e ganchos, com desdobramentos quase infinitos – é a causa de alcançarem tanto sucesso e mercado, atraindo a aposta de grandes estúdios e boa parte do investimento que antes era dirigido para os longa-metragem tradicionais (os não-tradicionais seguem uma lógica diferente, abusando da velocidade, dos efeitos especiais, da não-linearidade. São uma “modernização – como tem acontecido com os livros – do que se fazia há bem pouco tempo).

Os leitores e os espectadores atuais são cada vez mais interativos e participantes, não se contentam em ser guiados, linear e monotonamente, linha abaixo ou imagem além. Precisam de hiperlinks que os permitam escolher, ver e aprofundar só o que lhes interessa, e também de espaços onde possam comentar, avaliar, discutir, criticar, recriar, ressignificar, personalizar – mas também socializar – sua experiência. No contexto da hipercomunicação, todo mundo faz questão de ser tanto consumidor quanto formador de opinião. E ninguém tem tanta vontade de voz quanto o público juvenil.

O meio digital é o ambiente interativo por excelência, sem limitações temporais e, principalmente, espaciais. Nesse sentido estaria, em tese, vários passos além do livro impresso. Mas não é bem assim. Livros impressos têm sido muito lidos per esse público imerso no ambiente digital. O que eles fazem é trazer para seu “mundo” a sua experiência de leitura, seja compartilhando impressões, resenhas e listas, seja se agrupando em torno de temas e livros em comum, ou até cofinanciando novos projetos literários. Aquilo que os “velhos leitores” apaixonadamente alegavam na defesa do livro impresso – o cheiro, a textura, a facilidade de leitura, a portabilidade – também é (talvez contrariando quem vaticinava o fim do livro físico) exatamente o que também alegam os “novos leitores” para justificar sua preferência (ainda que muitos adquiram a versão digital por causa do preço). E é como eu disse: embora a tecnologia do livro seja basicamente a mesma ao longo dos séculos, sua “alma” (do design da capa e do miolo à técnica e estilo da escrita) tem mudado muito, e muito rapidamente. Está repaginado (perdoem o trocadilho), perfeitamente sincronizado com as mudanças ultrarrápidas da nossa sociedade.

Interatividade não é novidade no mundo editorial. Os livros-brinquedo permitem, há muito, uma forma diferente de relação com a palavra e a imagem. A própria referência a outros livros e textos, em rodapés de livros ou na parte  Referências Bibliográficas, sempre foram uma remissão – quase ao estilo hipertexto, ou seu precursor - para outras obras. Para além disso, Marisa Lajolo1, demonstrando como alguns narradores provocam a participação do leitor através de um jogo dialógico de descoberta de sentido, pergunta: “será que a literatura não foi sempre um game no sentido mais amplo da palavra?”. Ela já deixa insinuada a resposta quando trabalha a ideia de que nada é absolutamente novo nesse meio.


Slow reading e a leitura integral de grandes textos (em número de palavras mesmo), tem sido coisa para persistentes ou privilegiados que ainda têm tempo sobrando. Há coisas demais a fazer em tempo de menos. O processo de leitura da geração que já nasceu conectada é diferente daqueles da geração X, da qual faço parte. Sou da transição, vivi em um mundo mais lento e com relações mais táteis, gustativas e olfativas, e não quase exclusivamente visuais e auditivas como as de hoje. Os novos leem, naturalmente, de forma mais fragmentada, construindo ativamente sua leitura com os acessos a links, blogs, chats, etc., que os levam à experiência ou informação que desejam. Essa fragmentação não deve, de jeito nenhum, ser confundida com superficialidade - erro muito comum de muitos teóricos.


1 LAJOLO, Marisa. O livro digital infantil e juvenil. Revista Emília. Plataformas Digitais. 28 de ag. 2013. Disponível em: < http://revistaemilia.com.br/o-livro-digital-infantil-e-juvenil/>


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