Juliano Barreto
Rodrigues
O leitor infanto-juvenil de hoje é diferente
daquele da minha época: conheci a internet já adulto. O livro impresso era o
suporte que conhecia; o tempo para ler era diferente, não havia uma avalanche
de informações sobre mim a todo segundo; as minhas escolhas de leitura eram
mais pessoais, solitárias e independentes. Hoje, os meninos leem muito na tela
do computador e do celular; escolhem por indicação de seus grupos ou de quem “seguem”;
escaneiam o que lhes cai nas mãos, antes de efetivamente lerem, ou então, ficam
só na leitura das partes que lhes interessam mais; com tempo exíguo e tanta
coisa para fazer, é difícil as leituras longas, lentas, exclusivas; por outro
lado, compartilham, interagem, colecionam, e remixam suas experiências com
muita facilidade. Logicamente, estou generalizando.
Há uma leitura para adulto e outra para
crianças e adolescentes? Na minha opinião, sim. Embora alguns temas sejam
interessantes tanto para uns quanto para outros, há muitos que só interessam em
certas fases da vida. Algumas temáticas profissionais, por exemplo, podem
agradar determinado público adulto, mas não teriam o menor cabimento no
universo infanto-juvenil. O tratamento dado ao de sexo, à violência, à degeneração
psicológica e social, também precisa ser cuidadoso em uma fase de formação. A maneira
de dizer as coisas também faz muita diferença: um mesmo tema pode ser tratado
de forma sutil ou bruta, abstratamente ou de forma concreta, sugerindo reflexão
ou chocando. A mágica do escritor está aí, na forma.
Formação. Para mim esta palavra resume a
preocupação com a escrita feita para não adultos. Advogo enfaticamente uma
literatura absolutamente livre de função moral para adultos. Porém, com ênfase
ainda maior, defendo a necessidade de que toda literatura infanto-juvenil tenha
cunho formativo-moral. O autor que se posiciona conforme o que eu disse, submete
a um “filtro” toda a sua escrita, desde a escolha do tema, a caracterização das
personagens, utilização ou não de imagens, a montagem do enredo e do conflito,
até a decisão pelo final, que se não concludente e positivo, pelo menos não
contrarie a impressão geral de que o livro trouxe uma mensagem de crescimento.
Esta limitação na arte é o preço que o artista paga por se decidir a escrever
para um público vulnerável. Excesso de zelo ou não, ainda que defensor ferrenho
da liberdade da criação artística, prefiro, neste caso, pecar pelo exagero.
Outra coisa: a judicialização da humanidade,
com todo o mundo processando todo mundo; a comunicação irrestrita, que tanto
constrói quanto destrói rapidamente reputações, marcas, instituições – são
motivos mais do que suficientes para que as editoras temam certa polícia moral,
que não aceita bem a abordagem de temas tabu (nem na literatura adulta) ou a exposição
de alguns temas, palavras e formas, para crianças e adolescentes.
Antigamente (não num passado distante, coisa
de poucos anos atrás), um autor tinha tempo de introduzir devagar o leitor na
história. Hoje, não. Se o título, a primeira frase, os primeiros parágrafos,
não forem muito bem pensados para causar um efeito imediato, se os capítulos
não forem curtos e subtitulados (o que causaria desespero em Dionísio Longino),
com ganchos que puxem o interesse para o que vem a seguir, o livro simplesmente
não será lido. O leitor mudou a forma de escrever. E não é um fenômeno só da
literatura: Robert McKee, mestre dos roteiristas hollywoodianos, faz a mesma
comparação relacionando cinema e as séries. Ele afirma que a dinâmica das
séries – muito mais rápidas, imediatas e com uma sucessão de impactos
emocionais e ganchos, com desdobramentos quase infinitos – é a causa de alcançarem
tanto sucesso e mercado, atraindo a aposta de grandes estúdios e boa parte do
investimento que antes era dirigido para os longa-metragem tradicionais (os
não-tradicionais seguem uma lógica diferente, abusando da velocidade, dos
efeitos especiais, da não-linearidade. São uma “modernização – como tem
acontecido com os livros – do que se fazia há bem pouco tempo).
Os leitores e os espectadores atuais são cada
vez mais interativos e participantes, não se contentam em ser guiados, linear e
monotonamente, linha abaixo ou imagem além. Precisam de hiperlinks que os
permitam escolher, ver e aprofundar só o que lhes interessa, e também de
espaços onde possam comentar, avaliar, discutir, criticar, recriar,
ressignificar, personalizar – mas também socializar – sua experiência. No
contexto da hipercomunicação, todo mundo faz questão de ser tanto consumidor quanto
formador de opinião. E ninguém tem tanta vontade de voz quanto o público
juvenil.
O meio digital é o ambiente interativo por
excelência, sem limitações temporais e, principalmente, espaciais. Nesse
sentido estaria, em tese, vários passos além do livro impresso. Mas não é bem
assim. Livros impressos têm sido muito lidos per esse público imerso no
ambiente digital. O que eles fazem é trazer para seu “mundo” a sua experiência
de leitura, seja compartilhando impressões, resenhas e listas, seja se
agrupando em torno de temas e livros em comum, ou até cofinanciando novos
projetos literários. Aquilo que os “velhos leitores” apaixonadamente alegavam na
defesa do livro impresso – o cheiro, a textura, a facilidade de leitura, a
portabilidade – também é (talvez contrariando quem vaticinava o fim do livro
físico) exatamente o que também alegam os “novos
leitores” para justificar sua preferência (ainda que muitos adquiram a versão digital por causa do preço). E é
como eu disse: embora a tecnologia do livro seja basicamente a mesma ao longo
dos séculos, sua “alma” (do design da
capa e do miolo à técnica e estilo da escrita) tem mudado muito, e muito
rapidamente. Está repaginado (perdoem o trocadilho), perfeitamente sincronizado
com as mudanças ultrarrápidas da nossa sociedade.
Interatividade não é novidade no mundo editorial.
Os livros-brinquedo permitem, há muito, uma forma diferente de relação com a palavra
e a imagem. A própria referência a outros livros e textos, em rodapés de livros
ou na parte Referências Bibliográficas, sempre
foram uma remissão – quase ao estilo hipertexto, ou seu precursor - para outras obras. Para além
disso, Marisa Lajolo1, demonstrando como alguns narradores provocam
a participação do leitor através de um jogo dialógico de descoberta de sentido,
pergunta: “será que a literatura não foi sempre um game no sentido mais amplo da palavra?”. Ela já deixa insinuada a
resposta quando trabalha a ideia de que nada é absolutamente novo nesse meio.
Slow
reading e a leitura
integral de grandes textos (em número de palavras mesmo), tem sido coisa para persistentes
ou privilegiados que ainda têm tempo sobrando. Há coisas demais a fazer em
tempo de menos. O processo de leitura da geração que já nasceu conectada é
diferente daqueles da geração X, da qual faço parte. Sou da transição, vivi em
um mundo mais lento e com relações mais táteis, gustativas e olfativas, e não
quase exclusivamente visuais e auditivas como as de hoje. Os novos leem,
naturalmente, de forma mais fragmentada, construindo ativamente sua leitura com
os acessos a links, blogs, chats, etc., que os levam à experiência ou
informação que desejam. Essa fragmentação não deve, de jeito nenhum, ser confundida
com superficialidade - erro muito comum de muitos teóricos.
1 LAJOLO, Marisa. O livro digital infantil e
juvenil. Revista Emília. Plataformas
Digitais. 28 de ag. 2013. Disponível em: < http://revistaemilia.com.br/o-livro-digital-infantil-e-juvenil/>
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