By Geledés |
LITERATURA ORAL
Juliano Barreto Rodrigues
Entendendo que, etimologicamente,
literatura advém do radical latino littera,
que significa letra do alfabeto, caractér da escrita, alguns podem ver
contradição em tratar algo que circula, às vezes exclusivamente na forma oral,
como sendo literatura. Por isso mesmo, achei interessante tratar da literatura
oral como gênero.
Segundo o Glossário Ceale (SOUZA,
20??), a expressão Literatura Oral
foi utilizada pela primeira vez em 1881, pelo pintor, folclorista e escritor
francês Paul Sébillot, no livro Littérature
Orale de la Haute-Bretagne. Literatura Oral designa os textos (em sentido
amplo, significando um entrelaçamento de signos linguísticos que produzem
sentido), em prosa e verso, transmitidos oralmente. É o caso das lendas, mitos,
parlendas, adivinhas, provérbios etc.
Essa literatura existia antes
mesmo da invenção da escrita. Mas, ainda hoje, há culturas que mantém a
tradição de repassar manifestações literárias oralmente (poemas, contos,
rezas...). Nas religiões de origem bantu e nagô, aqui mesmo no Brasil, os mitos
e costumes são transmitidos através de versos (ingorossis, itans, orikis etc.);
na África Ocidental há os Griots. Nas tribos indígenas também se mantém a
literatura oral. Mesmo entre os habitantes urbanos, que aparentemente não têm
uma cultura tradicional preservada tão oralmente, também há algumas
manifestações do tipo, como as lendas urbanas, as cantigas de roda, as
adivinhações. Ao conjunto das ocorrências orais de fundo literário alguns
estudiosos têm chamado “oratura” (de orature, uma aglutinação entre os termos em
inglês oral + literature).
Muito da literatura fundadora que
conhecemos e estudamos hoje por escrito, nasceu oralmente (é o caso da Ilíada e
da Odisseia, de Homero). Também nasceram oralmente Beowulf, e os contos de
fadas antigos. Alguém contesta que se tratem de literatura?
A Wikipédia (2020) destaca o
caráter de arte “improvisacional” da literatura oral. Diz que, normalmente [não
exclusivamente] o narrador aprende um conjunto de sequências “roteirizáveis” ao
invés de decorar, ao pé da letra, um conjunto de textos. A partir daí, cria uma
trama com início, meio e fim. Visualiza os personagens, as cenas e cenários, e
improvisa a forma de contar. Disso decorre que nunca a mesma história será
contada exatamente do mesmo jeito. Isso pode valer para contos e outras formas
em prosa, mas talvez não para cantigas e versos, que geralmente são aprendidos
e repetidos palavra por palavra. Nesse sentido,
Zumthor (1997) esclarece que o texto oral é realizado
sem rascunhos – ou melhor dizendo, “sem borracha” –, por mais que cantadores
populares possam ensaiar e aprimorar seus versos antes das apresentações. O
momento onde o texto toma forma é circunstancial. Por isso mesmo, é certo dizer
que nenhuma performance é igual a outra. (LÚCIO; CUNHA, 2017, p. 4701).
A consignação por escrito da Literatura Oral é polêmica. Se,
por um lado, evita que muitas de suas manifestações sumam, se extinguam, por
outro, a transcrição representa uma apropriaçao por parte do transcritor, que
passa a ser autor (lembra o caso dos Irmãos Grimm?); engessa ou deturpa uma
versão de algo que, por ser oral e contado por diferentes pessoas, é
naturalmente modificável no tempo e no espaço; além disso, altera as próprias
características da fala popular.
No entanto, ainda que oralidade e
escrita tenham diferenças muito evidentes, devem ser vistas em suas
peculiaridades, mas não como coisas opostas, porque comumente se entrecruzam.
SOUZA (20??) demonstra a defesa dessa ideia por nosso sistema escolar:
Na alfabetização, tais entrecruzamentos [entre
oralidade e escrita] se revelam importantes. Os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN) dos anos iniciais do Ensino Fundamental, por exemplo, aproximam
o ensino da escrita da oralidade, ao sugerir a valorização da cultura oral como
forma de iniciar o aluno no mundo da escrita, apresentando perspectivas
teórico-metodológicas que envolvem a narração e a escuta de histórias, o
levantamento de narrativas que circulam nas famílias e o trabalho com gêneros
orais, tais como cordel, canções e parlendas.
Entendendo “literatura” e mesmo “texto” como algo mais amplo,
neles podem se enquadrar os quadrinhos, o cinema, as novelas de TV, as canções
populares, o repente, o improviso, o graffiti e o pixo nos muros (Cf. LÚCIO;
CUNHA, 2017) e - por que não? - os
Storytellings do mundo institucional e corporativo. É preciso considerar,
inclusive, o caso de algumas obras de arte não autônomas que dependem de
significados externos, escritos, que completem ou traduzam significados
(WILLIAMS, 2007, p. 259) - é o caso de algumas pinturas, filmes, músicas, por
exemplo. Não sendo primariamente literárias, secundariamente podem ser lidas
pelo viés literário.
Por tudo que foi dito, Literatura Oral é, sim, literatura. E
a ela deve ser reconhecido o valor que se dá a algo escasso, em vias de
desaparecimento caso não continue a ser repassado. Se pensarmos pos este viés,
em muitos casos a maioria das narrativas orais tradicionais são muito mais
preciosas do que as escritas. Aquelas foram construídas por gerações (nesse
sentido são coletivas) e continuam vivas, se transformando um pouco a cada
recontagem (por esta ótica, tem algo do gênero dramático, dependem de uma certa
performance do contador). Já as escritas, viraram mercadoria corrente e perene,
abundam. Têm mutio valor, mas é preciso que as pessoas, inclusive os literatos
e as universidades, confiram à boa literatura oral o lugar que merece, junto à
literatura com “L” maiúsculo, posto quase exclusivamente conferido aos cânones
escritos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LITERATURA
ORAL. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia
livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2020. Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Literatura_oral&oldid=59490160>.
Acesso em: 9 out. 2020.
LÚCIO, Ana Cristina
Marinho; CUNHA, Thiago da Silveira Cunha. Literatura e outras linguagens:
exemplo do testemunho de pichadores em João Pessoa. XV Congresso Internacional da Abralic. Universidade Federal da Paraíba.
2017. Disponível em:
<https://abralic.org.br/anais/arquivos/2017_1522243505.pdf> . Acesso em
09 out. 2020.
SOUZA,
Josiley Francisco de. Literatura Oral. In: Termos de Alfabetização, Leitura e
Escrita para educadores. Glossário Ceale.
Faculdade de Educação da UFMG. 20??. Disponível em: <http://ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/literatura-oral#:~:text=Literatura%20oral%20%C3%A9%20uma%20express%C3%A3o,modo%20diferente%20do%20falar%20cotidiano>
. Acesso em 09 out. 2020.
WILLIAMS,
Raymond. Palavras-chave : um vocabulário de cultura e sociedade; traduçãode
Sandra Guardini Vasconcelos, - São Paulo : Boitempo, 2007. 464 p.
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