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terça-feira, 20 de outubro de 2020

Crítica Literária (verbete criado para o curso de Letras da UnB)

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CRÍTICA LITERÁRIA

Juliano Barreto Rodrigues

Crítica, do latim critĭcus, advém, originariamente, do grego antigo kritikḗ (κριτική), e significa ‘apreciação, julgamento’. Critica literária consiste, portanto, na apreciação (discussão, interpretação) e julgamento (avaliação) das obras literárias, baseando-se na teoria da literatura ou em outro parametrizador específico qualquer (científico, disciplinar, estético, moral, comparativo...). Tanto a crítica quanto a própria literatura objeto da crítica são historicamente situadas, ainda que a resenha se atenha, em alguns casos, exclusivamente ao texto e este não traga indicações claras de época. Todo texto analisado foi escrito em algum momento e a crítica sempre será feita por um sujeito também presente em tempo específico, o que determina muito da leitura que o crítico faz do texto. Nesse sentido, o método aplicado sempre será uma atualização histórica. A crítica literária, conforme Esterhammer (20??), tem funções de avaliação, de informação, de orientação, de didática e de entretenimento.

 Silva (2012), destaca três momentos históricos paradigmáticos do desenvolvimento da crítica literária: 1) a sua gênese na antiguidade clássica, a partir das reflexões dos filósofos (especialmente Platão e Aristóteles ); 2) o período em que esteve praticamente sob o domínio dos religiosos, na Idade Média e início da Modernidade, época em que a crítica se baseava na escolástica, método que visava conciliar os princípios da fé cristã com o pensamento racional. Os primeiros ensaios de crítica literária ocidentais são sobre a exegese bíblica e dos clássicos antigos (LA CRITIQUE LITTÉRAIRE, 20??); 3) a fase Moderna, que firma o conceito de crítica literária a partir da investigação científica (destacam-se, para essa evolução da crítica literária, as obras Crítica da Razão Pura e Crítica da Faculdade do Juízo, de Immanuel Kant). A partir daí  a crítica especializada, assumindo (alguns a contragosto) o caráter intrinsecamente subjetivo da atividade,  teria definido correntes, diferenciadas pelos estilos dos críticos.

Na modernidade, os franceses tinham a crítica como simples “jogo do espírito” (CARDOSO, 2017). No século XVIII, o poeta, dramaturgo, filósofo e crítico de arte alemão Gotthold Ephraim Lessing mudou isso, destacando que a arte se origina de um estado emocional real, é uma produção resultante das aptidões psicológicas e não mera intuição ou acaso. Assim aproximou não só arte e ciência, mas a própria Crítica dos métodos científicos.

Contemporaneamente (Cf. CRÍTICA LITERÁRIA, 2020), Northrop Frye influenciou a crítica literária com seu livro ensaístico Anatomia da Crítica. Destacou que os críticos julgam de acordo com a ideologia que adotam. Jürgen Habermas (em Erkenntnis und Interesse [Conhecimento e interesses humanos]) tratou a teoria crítica como forma de hermenêutica, abrangendo a interpretação dos textos literários e suas expressões simbólicas, incluindo na análise os textos que os interpretaram. Na década de 60 do século passado, desenvolveu-se a chamada Nova Crítica, que passou a considerar o próprio estudo teórico das formas literárias como literatura. René Girard, posteriormente, investigando o desejo humano (e seus conflitos) na literatura, apontou alguns critérios específicos para a pesquisa interpretativa (REYES, 2015). Mas há muitas teorias e classificações para além dessas. O importante é destacar que a crítica literária evolui no tempo, há muito se aproxima mais da ciência e é frequentemente informada pela teoria literária, mas não se restringe a conceitos ou métodos únicos.

O senso comum significa a crítica pejorativamente, como atividade de alguém especialista em falar mal de alguém ou de algo, bem como perito em encontrar defeitos nas obras alheias. Mas a crítica vai bem além disso e tem uma função importante na regulação, contextualização e perspectivação das realizações humanas. 

A atividade da crítica literária é vista com ressentimento por parte da maioria dos autores – especialmente daqueles que não caíram nas graças dos críticos – várias declarações suas provam isso. Ninguém se sente à vontade em ser julgado, especialmente quando um julgamento especializado influencia tantas pessoas e repercute de forma tão cabal na aceitação da sua obra, na sua imagem pessoal e nos seus rendimentos. 

A crítica é formadora de opinião (positiva ou negativa) e, como palavra de autoridade, é naturalmente temida por quem traz a público uma obra de arte (literária, musical, plástica etc.).   Ademais, questiona-se a legitimidade dos críticos, haja vista que seu julgamento será sempre subjetivo-opinativo, mesmo que lastreado em fundamentos, métodos e autores que justifiquem seu ponto de vista. 

Segundo Martins (2009), o crítico literário “[...] relaciona-se com a literatura, sobretudo com aquela que é sua contemporânea, [...] através de uma espécie de cegueira interessada que leva o crítico a unicamente ver aquilo que quer ou pode ver.” Acrescenta ainda que, “No domínio da crítica literária, faz plenamente sentido a afirmação de M. Merlau-Ponty de que "só encontramos nos textos aquilo que colocamos neles", ou seja, o crítico só elabora suas reflexões com base na fortuna cultural que tenha em si mesmo.

É fácil duvidar da isenção dos críticos, seja porque estão sujeitos (como todas as pessoas) à influência social, religiosa, moral, política, ou porque podem ter algum interesse pessoal inconfessado. Também é comum o argumento de que quem não ajudou na realização de um trabalho, nem apresentou coisa melhor, não deveria ser autorizado a arbitrar sobre o valor artístico de algo ou alguém. Mas tudo isso constitui uma visão simplista. 

É inegável que a crítica ocupa um espaço essencial no sistema literário. Faz parte, junto com os editores, os agentes literários, os leitores, a academia e os livreiros, daquele complexo de freios e contrapesos que, no jogo de tensão entre esses ‘sujeitos’, auto-organiza o próprio sistema. Seguindo a lógica da “mão invisível do mercado”, de Adam Smith (e literatura é também um grande mercado), chega-se, dentro da crise permanente dos antagonismos, a um meio-termo razoável e mutável o tempo todo. Isso também explica o sucesso, a heterogeneidade e a convivência entre best-sellers, livros eruditos, auto-ajuda, ficção e não-ficção, títulos estrangeiros e nacionais,  autores de literatura ‘popular’ vendendo tanto quando autores de literatura consagrada ,assim por diante, além do caso, comum em literatura e nas artes em geral, do reconhecimento de obras e autores em períodos históricos posteriores à morte desses autores, em épocas mais afins às suas ideias. Os críticos (especializados e não especializados) são peças poderosas na co-orientação do mercado do livro. 

O blog da Livraria Saraiva (SARAIVA CONTEÚDO, 2017) destacou 10 críticos literários que fizeram história. Como toda lista, deixa muitos nomes importantes de fora (neste caso, especialmente os mais atuais). Ainda assim, é uma boa referência. Segue um breve extrato:
 
1. SÍLVIO ROMERO (1851-1914)
Sergipano, fez crítica e história literária de forma sistemática e técnica. Defendia que a realidade deveria ser a base da literatura. Conforme Antônio Cândido, ele “firmou o cânon da história literária brasileira”. Silvio Romero foi professor e historiador de literatura brasileira, crítico literário, ensaísta e folclorista. Obra destacada: História da Literatura Brasileira – Tomos I e II (Imago).

2. JOSÉ VERÍSSIMO (1857-1916)
Paraense, influenciado pelo crítico francês Hippolyte Taine, foi um dos primeiros a destacar a importância de Machado de Assis. José Veríssimo pensava o homem histórico-socialmente situado, bem como sob o aspecto de raça.  Foi escritor, crítico e historiador literário, educador e jornalista. Obra destacada: História da Literatura Brasileira (Letras e Letras).

3. ARARIPE JUNIOR (1848-1911)
Cearense, nacionalista, criativo e sensível ao fato estético, integrou, junto com Sílvio Romero e José Veríssimo, a destacada intelectualidade da época chamada de “geração de 1870”. Foi advogado, político e crítico literário. Obra destacada: Cartas Sobre a Literatura Brasileira

4. AGRIPPINO GRIECO (1888-1973)
Fluminense, foi temido por suas colunas nos jornais, em tom satírico e polêmico (1920-1950). Sua crítica era impressionista e ele também tinha um interesse humanista. Foi crítico literário, jornalista, tradutor, contista e poeta. Obra destacada: Poetas e Prosadores do Brasil (Livros do Brasil).

5. ALCEU AMOROSO LIMA (1893-1983)
Fluminense, tido como crítico do modernismo, foi uma importante liderança da inteligência católica brasileira. Considerava a crítica uma atividade autônoma e fazia uma crítica expressionista e de cunho satírico. Também era conhecido por seu pseudônimo Tristão de Ataíde. Foi crítico, professor e ensaísta. Obra destacada: O Crítico Literário

6. AFRÂNIO COUTINHO (1911-2000)
Baiano, introduziu os conceitos do New Criticism na crítica brasileira. Foi professor, crítico literário e ensaísta. Obra destacada: Enciclopédia de Literatura Brasileira (Global).

7. ÁLVARO LINS (1912-1970)
Pernanbucano, rechaçava a ideia de que a crítica era apenas um julgamento subjetivo. Sua crítica era impressionista e de cunho humanista. Foi professor, redator-chefe do Correio da Manhã, e crítico literário. Obra destacada: Filosofia, História e Crítica na Literatura Brasileira.

8. ANTONIO CANDIDO (1918-2017)
Carioca, exercitou uma crítica de cunho social e histórico. Desenvolveu estudos sobre autor-obra-público, sobre literatura e também pedagogia. Foi escritor, sociólogo, professor e crítico literário. Obra destacada: Formação da Literatura Brasileira: Momentos Decisivos (Ouro Sobre Azul).

9. ALFREDO BOSI (1936)
Paulistano, caracterizado em sua produção crítica pelo formalismo literário e suas implicações históricas. É professor emérito da Universidade de São Paulo, crítico e historiador da literatura brasileira, membro da Academia Brasileira de Letras. Obra destacada: História Concisa da Literatura Brasileira (Cultrix).

10. WILSON MARTINS (1921-2010)
Paulistano, se denominava “o último crítico literário em atividade”. Crítico impressionista que publicava em jornais, colecionou inimigos. Analisava obras contemporâneas, valendo-se da comparação histórica. Foi professor, escritor, magistrado, jornalista, historiador e crítico literário. Obra destacada: A Crítica Literária no Brasil – Vols. I e II (Francisco Alves).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADHIKARY, Ramesh. A History of Literaty Criticism – Harry Blamiers. In: History of Literary Criticism B.A. 1ST Year Major English – Eng-422. Blogspot. 2019. Disponível em: <http://rameshadhikary.blogspot.com/2019/12/history-of-literary-criticism-ba-1st.html>. Acesso em 15 out. 2020.

CARDOSO, Camila Chaves. Os condeitos de literatura e crítica literaria em dois textos de Silvio Romero. Unicamp, 2017. Disponível em: <https://www.unicamp.br/iel/site/alunos/publicacoes/textos/c00017.htm> . Acesso em: 15 out. 2020.

CRÍTICA LITERÁRIA. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2020. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Cr%C3%ADtica_liter%C3%A1ria&oldid=58998864>. Acesso em: 9 ago. 2020.

ESTERHAMMER, Ruth. Das Buch und die Kritik: Theorie versus Praxis. Literaturkritik.at. Universidade de Innsbruck, Áustria. 20??. Disponível em: <https://www.uibk.ac.at/literaturkritik/zeitschrift/471992.html> . Acesso em 15 out. 2020.

LA CRITIQUE LITTÉRAIRE. Book Wiki – enciclopédie libre. Italy, 20??. Disponível em: <https://boowiki.info/art/la-critique-litteraire-3/la-critique-litteraire-2.html> . Acesso em: 15 out. 2020.

MARTINS, Manuel Frias. Crítica Literária [verbete]. E-Dicionário de Termos Literários de Carlos Ceia. 2009. Disponível em: <https://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/critica-literaria/> . Acesso em 15 out. 2020.

REYES, Júlia. Conhecimento: uma leitura de René Girard. Abralic. XIV Congresso Internacional Fluxos e Correntes:  trânsitos e traduções literárias. Universidade Federal do Pará. Belém – Pará. 2015. Disponível em: < https://abralic.org.br/anais/arquivos/2015_1464284337.pdf> . Acesso em: 15 out. 2020.

SARAIVA CONTEÚDO. Dez críticos literários brasileiros que fizeram história. SARAIVA [blog]. São Paulo, 2017. Disponível em: <https://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:EW1wDWauK1IJ:https://blog.saraiva.com.br/dez-criticos-literarios-brasileiros-que-fizeram-historia/+&cd=3&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br> . Acesso em 16 out. 2020.

SILVA, Daniele Cristina Afostinho. Crítica Literária. Info Escola. 2019. Disponível em: < https://www.infoescola.com/literatura/critica-literaria/> . Acesso em 15 out. 2020.





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