O Coletivo

Blog do escritor Juliano Rodrigues. Aberto a textos gostosos de quem quer que seja. Contato: julianorodrigues.escritor@gmail.com

terça-feira, 29 de junho de 2021

“VÃO FICAR CHORANDO ATÉ QUANDO?”

Cartum de Andrício de Souza. Disponível em: <

https://piaui.folha.uol.com.br/wp-content/uploads/2018/11/147_cartuns11.jpg>. Acesso em 29 jun. 2021.



Vão ficar chorando até quando?”

 

Juliano Barreto Rodrigues

 

E diziam “Deus é brasileiro”. Por isso, esperavam um messias pelas bandas de lá. Já tinham visto alguém feito eles –  pobre, operário, com pouco estudo – sair do rés do chão e chegar aos píncaros da república de bananas. Mas esse não era santo feito o Cristo. Haviam tido o gostinho de um novo milagre brasileiro, as empregadas estavam passeando em Miami. O novo salvador tinha que brotar ali.

(A Terra é redonda... e gira, ainda por cima. O que está em cima daqui a pouco está em baixo e, se bobear, daqui a pouco está no alto de novo. E o povo, crédulo, cordial, ansioso por gurus e capitães que lhes guiem as vidas, até hoje não aprendeu a se equilibrar em cima da bola: sobe no giro e se estabaca em seguida, daí sobe de novo e se estabaca novamente. Fato é que, “a esperança é a última que morre”, nesse clichê todos se fiam. Voltemos...)

Era lá pelos inícios do século XXI. Feito o Nazareno, o novo Messias apareceu do nada, como se sua história só tivesse começado com ele já adulto. Mas este esperado não se parecia tanto com o primeiro: já não gostava de andar entre os pobres, não tinha o dom da palavra, mancomunava com os vendilhões do templo, não curava os doentes (apressava sua morte).

Os olhos claros, que inventaram para o Cristo oriental da pele escura, clareados nas pinturas, o Messias de agora os tinha naturais.

Aquele que sofreu tentações no Deserto da Judéia não se parecia com este, que agora queria tornar onde pisa um deserto. E o temor às tentações? Este já não tinha, pelo contrário. Mentia que a cara nem sentia, e esse era só o mais comum de seus pecados. Este Messias veio cínico, talvez desiludido da humanidade e da divindade que não fosse o próprio umbigo.

Aquele messias de antes estava bem guardado no céu e, parece, nem olhava direito mais para o povo. O novo, ambicionava não só a colônia do Brasil, mas também o reino de debaixo da terra.

E eis que a peste se espalhou pelo mundo inteiro, e o novo Messias lavou suas mãos. Ria da desgraça alheia, a conversa de “imunidade de manada” trazia, no fundo, a mal-disfarçada eugenia. E o povo morria, e ele ajudava a matar. Em vez do remédio, distribuía armas para todos. E houve saudade daquele profeta que antes dele viera (mesmo não sendo santo, mesmo não sendo perfeito, pelo menos era feito eles, tinha humanidade).

Mas o novo Messias não iria largar o osso, queria toda a raça depois de Herodes e de Pilatos condenada, os herdeiros do mundo e o mundo todo. E mil caiam à sua direita e dez mil à sua esquerda, mas ele não pegava nem uma gripe. Instalado no reino, a sua oposição oficial lhe lançava apenas expedientes de festim, para negociar por miudezas. E seu povo à mingua, demandando mais covas do que os coveiros conseguiam cavar. E no auge da segunda onda, até os otimistas do “o céu é aqui” já achavam que o oposto é que era. E o remédio para a peste veio de longe, e o Messias o desacreditou. E quando não pode impedir que chegasse, dificultou seu alcance. E até criticou o profeta antecessor por ter distribuído o pão como o primeiro messias fez.

Mas este Messias também haveria de ser julgado pelo mundo e crucificado, não literalmente, mas pela opinião pública. E todos rezavam para que este, enfim, jamais ressuscitasse.






 

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