Cartum de Andrício de Souza. Disponível em: < |
“Vão ficar chorando
até quando?”
Juliano Barreto Rodrigues
E
diziam “Deus é brasileiro”. Por isso, esperavam um messias pelas bandas de lá.
Já tinham visto alguém feito eles – pobre,
operário, com pouco estudo – sair do rés do chão e chegar aos píncaros da
república de bananas. Mas esse não era santo feito o Cristo. Haviam tido o
gostinho de um novo milagre brasileiro, as empregadas estavam passeando em
Miami. O novo salvador tinha que brotar ali.
(A Terra
é redonda... e gira, ainda por cima. O que está em cima daqui a pouco está em
baixo e, se bobear, daqui a pouco está no alto de novo. E o povo, crédulo,
cordial, ansioso por gurus e capitães que lhes guiem as vidas, até hoje não
aprendeu a se equilibrar em cima da bola: sobe no giro e se estabaca em
seguida, daí sobe de novo e se estabaca novamente. Fato é que, “a esperança é a
última que morre”, nesse clichê todos se fiam. Voltemos...)
Era lá
pelos inícios do século XXI. Feito o Nazareno, o novo Messias apareceu do nada,
como se sua história só tivesse começado com ele já adulto. Mas este esperado
não se parecia tanto com o primeiro: já não gostava de andar entre os pobres,
não tinha o dom da palavra, mancomunava com os vendilhões do templo, não curava
os doentes (apressava sua morte).
Os
olhos claros, que inventaram para o Cristo oriental da pele escura, clareados
nas pinturas, o Messias de agora os tinha naturais.
Aquele
que sofreu tentações no Deserto da Judéia não se parecia com este, que agora
queria tornar onde pisa um deserto. E o temor às tentações? Este já não tinha,
pelo contrário. Mentia que a cara nem sentia, e esse era só o mais comum de
seus pecados. Este Messias veio cínico, talvez desiludido da humanidade e da
divindade que não fosse o próprio umbigo.
Aquele
messias de antes estava bem guardado no céu e, parece, nem olhava direito mais
para o povo. O novo, ambicionava não só a colônia do Brasil, mas também o reino
de debaixo da terra.
E eis
que a peste se espalhou pelo mundo inteiro, e o novo Messias lavou suas mãos.
Ria da desgraça alheia, a conversa de “imunidade de manada” trazia, no fundo, a
mal-disfarçada eugenia. E o povo morria, e ele ajudava a matar. Em vez do
remédio, distribuía armas para todos. E houve saudade daquele profeta que antes
dele viera (mesmo não sendo santo, mesmo não sendo perfeito, pelo menos era
feito eles, tinha humanidade).
Mas o
novo Messias não iria largar o osso, queria toda a raça depois de Herodes e de
Pilatos condenada, os herdeiros do mundo e o mundo todo. E mil caiam à sua
direita e dez mil à sua esquerda, mas ele não pegava nem uma gripe. Instalado
no reino, a sua oposição oficial lhe lançava apenas expedientes de festim, para
negociar por miudezas. E seu povo à mingua, demandando mais covas do que os
coveiros conseguiam cavar. E no auge da segunda onda, até os otimistas do “o
céu é aqui” já achavam que o oposto é que era. E o remédio para a peste veio de
longe, e o Messias o desacreditou. E quando não pode impedir que chegasse,
dificultou seu alcance. E até criticou o profeta antecessor por ter distribuído
o pão como o primeiro messias fez.
Mas
este Messias também haveria de ser julgado pelo mundo e crucificado, não
literalmente, mas pela opinião pública. E todos rezavam para que este, enfim, jamais
ressuscitasse.
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