― Onde diabos eu vim parar? ―
Pensou Collete aflita. Sentada naquela masmorra, respirava o ar úmido do local,
com cheiro de comida velha, quase em decomposição, e com clima abafado e frio,
ela pensava nos eventos que a levaram aquela estranha situação.
Jovem, bonita e com um álibi
perfeito Collete uma aeromoça da Panamerican Airlines havia entrado para CIA há
pouco tempo. Suas missões eram geralmente simples, em suma eram apenas
entregas; ela pegava pacotes e levava com ela para os países que visitava entregando
sempre para outros agentes da agência. Podendo viajar e entrar em diversos
países sem levantar suspeita e sem grandes revistas pela alfândega, ela havia
se tornado um precioso membro da Central de inteligência.
O ano era 1963, o mundo vivia
o final da guerra fria, e a visionária empresa de aviação foi pioneira em
realizar voos para a recém aberta União Soviética. Levaria um pequeno grupo que
incluía a tripulação da companhia com quatro aeromoças, dois pilotos e um
navegador, junto com alguns jornalistas e poucos políticos, que seguiam em uma
missão diplomática.
― Todos nossos passos serão
cuidadosamente vigiados, cuidado com o que vocês falam, fazem, até o que
pensam. Moscou está em transição e qualquer ato mesmo bobo para nós pode ser
considerado espionagem para eles. ―explicava o Capitão John― Fora isso, esse é
um voo único e acreditem, estamos escrevendo a história. Finalizou sentindo a
animação de toda a tribulação que ouvia seu discurso.
Após 10 horas de voo a
tripulação chegou ao seu destino, Moscou, onde em poucos instantes eles
descobririam ser praticamente uma piada. Recebidos pela Relações Públicas do
governo, Collete e todos os outros integrantes da missão ouviram as “regras” da
viagem em um hotel visualmente luxuoso, porém podia se notar que as paredes, o
chão e todo o resto não viam reparos e cuidados há longos anos. A tripulação
não poderia deixar o hotel, só eram autorizados a visitar alguns pontos
programados da cidade, o tour seria realizado em pequenos grupos e sempre com a
presença da RP, nada de telefonemas, ou qualquer tipo de contato fora do hotel.
Collete em seu quarto, observava as
disparidades que retratavam não só o hotel mas todo o país. O charme do velho
mundo com encanamento de terceiro, no banheiro não tinha água quente, as
tubulações e as instalações elétricas funcionavam apenas em partes e não havia
nenhuma tecnologia ali, um telefone ou uma TV. Começava a se preocupar como
conseguiria cumprir sua tarefa
Lembrava de cada detalhe dito pelo seu
contato em Nova York, “Em um prédio ao lado do seu hotel vive uma antiga espiã
chamada Olga, precisamos fazê-la voltar a trabalhar para nós”. A comissária
havia passado todas as 10 horas da viagem pensando em como iria completar
aquela missão, nunca fizera nada do tipo, servira apenas de mensageira, nunca
algo tão importante assim. Agora depois de ouvir todas as malucas regras desse
país se sentia ainda mais insegura e tensa. Adormecera.
Respirando ofegante em um saco de
pano sentindo os pulsos cortarem onde suas mãos foram amarradas ela tenta
gritar e não consegue, desesperada Collete ouve ao longe uma voz conhecida, era
Bianca, sua colega de quarto e amiga de muitos anos, com um sorriso de alívio
ela abre os olhos , acordara de um pesadelo.
Um passeio aconteceria esta manhã, uma
visita aos prédios do governo onde moravam as famílias importantes de Moscou,
em um deles morava Olga. Sua amiga Bianca já estava pronta e com sua câmera no
pescoço, empolgada para ver cada centímetro do berço do comunismo.
― Juntem aqui meninas quero uma foto de
vocês ― gritava Bianca para suas amigas ― Elas estavam em uma pequena praça
circundada de prédios altos e feitos de tijolinho com inúmeras janelas, no meio
da praça havia uma estátua em mármore cinza, o monumento retratava um homem
segurando um mastro e olhando para o horizonte. Enquanto Bianca batia fotos das
garotas, ao longe surgiu um barulho das sirenes e um pequeno tumulto de pessoas
chegando na praça.
Collete vira ao longe os homens apontando
para Bianca e sua câmera, e rapidamente a tomou de sua mão, a agente da CIA
sabia que sua colega era muito nova e inexperiente, e iria se desesperar caso
algo acontecesse, ou pior, não saber como se comportar e acabar morrendo.
Entendendo um pouco de russo da conversa dos homens de terno com a RP, Collete
sabia que os homens eram policiais e decidiram que as fotos sendo tiradas de
prédios do governo eram atos de espionagem. Rapidamente ela pegou em sua bolsa
um pequeno papel e anotou um número e uma mensagem e colocou discretamente na
mão de Bianca. Nessa hora os guardas arrancaram a câmera da mão de Collete e a
jogaram no porta-malas do carro.
Desesperadas as aeromoças e o restante da
tripulação exigiam notícias da comissária de bordo Collete, mas ninguém dizia
nada. Bianca com o papel na mão discava o número no telefone do saguão do hotel
escondida. Em uma conversa rápida ela avisou a pessoa do outro lado da linha
que iria visita-la. Passando pela segurança e conseguindo se esgueirar pela
rua, ela entra em um dos prédios da redondeza. Com o coração acelerado ela
espera a porta abrir. Olga atende.
― Não sei quem você é mas precisa me ajudar, minha amiga disse que você conhece
pessoas importantes que podem tirá-la de onde ela está. ― Explicava Bianca
ofegante.
― Não sei do que você está
falando, posso ir presa só por abrir essa porta para você ― Finalizou Olga
fechando a porta. Mas Bianca colocou seu pé, bloqueando no portal e disse com
visível desespero e dor se misturando em sua voz embargada pelo choro:
― É minha única chance, nossa
tripulação foi obrigada a retornar sem a Collete, não podemos deixar ela aqui,
eu sei, e você sabe, que pode nos ajudar.
No hotel, a Relações Públicas fazia uma
chamada para levar todos ao aeroporto e se certificar que ninguém havia saído
do hotel, começou em ordem alfabética, sorte que o sobrenome de Bianca era
Winston um dos últimos, mesmo assim, quando ela entrou correndo no saguão e
encaminhou-se para o salão de convivência a RP já tinha chamado seu nome duas
vezes. Cansada, aflita e preocupada, ela seguiu com todos para o aeroporto,
fazendo inúmeras preces para que Olga cumprisse sua promessa de soltar sua
amiga.
Na cela úmida daquela masmorra Collete
tentava saber onde estava, no caminho cobriram seu rosto e apenas a jogaram aqui.
Em meio aos seus pensamentos, que passeavam entre sua missão inacabada e a
indecisão sobre se Bianca conseguira de fato fazer algum contato com Olga, a
aeromoça ouviu passos se aproximando, dois homens abriram a porta com
brutalidade, um deles com um saco de tecido preto na mão, colocou na cabeça da
moça. Sendo arrastada ela foi jogada de novo na traseira de um carro. ― Devem
estar me levando para um interrogatório, esses lugares geralmente ficam na
saída da cidade. Mas o que eu vou dizer, não fiz nada, nem estava querendo
completar minha missão. Pensava a jovem aeromoça.
Uma freada brusca fez com que o coração de
Collete saltasse. Os passos contornando o carro a fizeram pensar que estes eram
seus últimos segundos, sentiu o cheiro do carro, uma mistura de óleo e vodca,
sentiu os pulsos doloridos onde fora amarrada, sentiu seu coração acelerado,
sentiu medo, sentiu vontade de estar em sua casa. Um clarão a cegou por alguns
segundos, o barulho que ouvia ela não podia acreditar.
Natany Pacheco. 25 de fevereiro de 2015.
Natany Pacheco. 25 de fevereiro de 2015.
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