O Coletivo

Blog do escritor Juliano Rodrigues. Aberto a textos gostosos de quem quer que seja. Contato: julianorodrigues.escritor@gmail.com

sexta-feira, 27 de março de 2015

Novas Fronteiras, novos conflitos

― Onde diabos eu vim parar? ― Pensou Collete aflita. Sentada naquela masmorra, respirava o ar úmido do local, com cheiro de comida velha, quase em decomposição, e com clima abafado e frio, ela pensava nos eventos que a levaram aquela estranha situação.
Jovem, bonita e com um álibi perfeito Collete uma aeromoça da Panamerican Airlines havia entrado para CIA há pouco tempo. Suas missões eram geralmente simples, em suma eram apenas entregas; ela pegava pacotes e levava com ela para os países que visitava entregando sempre para outros agentes da agência. Podendo viajar e entrar em diversos países sem levantar suspeita e sem grandes revistas pela alfândega, ela havia se tornado um precioso membro da Central de inteligência.
O ano era 1963, o mundo vivia o final da guerra fria, e a visionária empresa de aviação foi pioneira em realizar voos para a recém aberta União Soviética. Levaria um pequeno grupo que incluía a tripulação da companhia com quatro aeromoças, dois pilotos e um navegador, junto com alguns jornalistas e poucos políticos, que seguiam em uma missão diplomática.
― Todos nossos passos serão cuidadosamente vigiados, cuidado com o que vocês falam, fazem, até o que pensam. Moscou está em transição e qualquer ato mesmo bobo para nós pode ser considerado espionagem para eles. ―explicava o Capitão John― Fora isso, esse é um voo único e acreditem, estamos escrevendo a história. Finalizou sentindo a animação de toda a tribulação que ouvia seu discurso.
Após 10 horas de voo a tripulação chegou ao seu destino, Moscou, onde em poucos instantes eles descobririam ser praticamente uma piada. Recebidos pela Relações Públicas do governo, Collete e todos os outros integrantes da missão ouviram as “regras” da viagem em um hotel visualmente luxuoso, porém podia se notar que as paredes, o chão e todo o resto não viam reparos e cuidados há longos anos. A tripulação não poderia deixar o hotel, só eram autorizados a visitar alguns pontos programados da cidade, o tour seria realizado em pequenos grupos e sempre com a presença da RP, nada de telefonemas, ou qualquer tipo de contato fora do hotel.
Collete em seu quarto, observava as disparidades que retratavam não só o hotel mas todo o país. O charme do velho mundo com encanamento de terceiro, no banheiro não tinha água quente, as tubulações e as instalações elétricas funcionavam apenas em partes e não havia nenhuma tecnologia ali, um telefone ou uma TV. Começava a se preocupar como conseguiria cumprir sua tarefa
Lembrava de cada detalhe dito pelo seu contato em Nova York, “Em um prédio ao lado do seu hotel vive uma antiga espiã chamada Olga, precisamos fazê-la voltar a trabalhar para nós”. A comissária havia passado todas as 10 horas da viagem pensando em como iria completar aquela missão, nunca fizera nada do tipo, servira apenas de mensageira, nunca algo tão importante assim. Agora depois de ouvir todas as malucas regras desse país se sentia ainda mais insegura e tensa. Adormecera.
Respirando ofegante em um saco de pano sentindo os pulsos cortarem onde suas mãos foram amarradas ela tenta gritar e não consegue, desesperada Collete ouve ao longe uma voz conhecida, era Bianca, sua colega de quarto e amiga de muitos anos, com um sorriso de alívio ela abre os olhos , acordara de um pesadelo.
Um passeio aconteceria esta manhã, uma visita aos prédios do governo onde moravam as famílias importantes de Moscou, em um deles morava Olga. Sua amiga Bianca já estava pronta e com sua câmera no pescoço, empolgada para ver cada centímetro do berço do comunismo.
― Juntem aqui meninas quero uma foto de vocês ― gritava Bianca para suas amigas ― Elas estavam em uma pequena praça circundada de prédios altos e feitos de tijolinho com inúmeras janelas, no meio da praça havia uma estátua em mármore cinza, o monumento retratava um homem segurando um mastro e olhando para o horizonte. Enquanto Bianca batia fotos das garotas, ao longe surgiu um barulho das sirenes e um pequeno tumulto de pessoas chegando na praça.
Collete vira ao longe os homens apontando para Bianca e sua câmera, e rapidamente a tomou de sua mão, a agente da CIA sabia que sua colega era muito nova e inexperiente, e iria se desesperar caso algo acontecesse, ou pior, não saber como se comportar e acabar morrendo. Entendendo um pouco de russo da conversa dos homens de terno com a RP, Collete sabia que os homens eram policiais e decidiram que as fotos sendo tiradas de prédios do governo eram atos de espionagem. Rapidamente ela pegou em sua bolsa um pequeno papel e anotou um número e uma mensagem e colocou discretamente na mão de Bianca. Nessa hora os guardas arrancaram a câmera da mão de Collete e a jogaram no porta-malas do carro.

Desesperadas as aeromoças e o restante da tripulação exigiam notícias da comissária de bordo Collete, mas ninguém dizia nada. Bianca com o papel na mão discava o número no telefone do saguão do hotel escondida. Em uma conversa rápida ela avisou a pessoa do outro lado da linha que iria visita-la. Passando pela segurança e conseguindo se esgueirar pela rua, ela entra em um dos prédios da redondeza. Com o coração acelerado ela espera a porta abrir. Olga atende.

― Não sei quem você é mas precisa me ajudar, minha amiga disse que você conhece pessoas importantes que podem tirá-la de onde ela está. ― Explicava Bianca ofegante.
― Não sei do que você está falando, posso ir presa só por abrir essa porta para você ― Finalizou Olga fechando a porta. Mas Bianca colocou seu pé, bloqueando no portal e disse com visível desespero e dor se misturando em sua voz embargada pelo choro:
― É minha única chance, nossa tripulação foi obrigada a retornar sem a Collete, não podemos deixar ela aqui, eu sei, e você sabe, que pode nos ajudar.
No hotel, a Relações Públicas fazia uma chamada para levar todos ao aeroporto e se certificar que ninguém havia saído do hotel, começou em ordem alfabética, sorte que o sobrenome de Bianca era Winston um dos últimos, mesmo assim, quando ela entrou correndo no saguão e encaminhou-se para o salão de convivência a RP já tinha chamado seu nome duas vezes. Cansada, aflita e preocupada, ela seguiu com todos para o aeroporto, fazendo inúmeras preces para que Olga cumprisse sua promessa de soltar sua amiga.
Na cela úmida daquela masmorra Collete tentava saber onde estava, no caminho cobriram seu rosto e apenas a jogaram aqui. Em meio aos seus pensamentos, que passeavam entre sua missão inacabada e a indecisão sobre se Bianca conseguira de fato fazer algum contato com Olga, a aeromoça ouviu passos se aproximando, dois homens abriram a porta com brutalidade, um deles com um saco de tecido preto na mão, colocou na cabeça da moça. Sendo arrastada ela foi jogada de novo na traseira de um carro. ― Devem estar me levando para um interrogatório, esses lugares geralmente ficam na saída da cidade. Mas o que eu vou dizer, não fiz nada, nem estava querendo completar minha missão. Pensava a jovem aeromoça.
Uma freada brusca fez com que o coração de Collete saltasse. Os passos contornando o carro a fizeram pensar que estes eram seus últimos segundos, sentiu o cheiro do carro, uma mistura de óleo e vodca, sentiu os pulsos doloridos onde fora amarrada, sentiu seu coração acelerado, sentiu medo, sentiu vontade de estar em sua casa. Um clarão a cegou por alguns segundos, o barulho que ouvia ela não podia acreditar.

Natany Pacheco.                                                                      25 de fevereiro de 2015.


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