rIsCaNdO
Juliano Barreto
Rodrigues
Vamos falar de amenidades. Só andar à toa com as palavras, curtindo
levemente o ócio criativo. Nada sério ou grave, nenhuma negativa.
Deixar fluir, meditativamente, como que vendo aquela chuvinha mole lá
fora, deitado na poltrona reclinável, curtindo, sob cobertas, um
friozinho de leve, só com o barulho da água caindo. Abstrair.
Coisa de mal abrir os olhos, pegar a caneta despretensiosamente e
marcar o papel. Na outra mão, um chá quente de capim-cidreira.
Escrever sem conclusão, nem argumento. Nada de preocupação com
quem vai ler, só o desbordar de si.
Azeitar as engrenagens mentais e deixá-las funcionando em marcha
lenta, sem esforço, quase em silêncio, meramente para exercitar.
Nada a dizer, só uma folha a ser largada no fundo da gaveta.
Divagar naquela saudade gostosa dos queridos e das brincadeiras da
infância, quando não se sabia o que seria, mas se queria ser tudo.
Quando olhar para as estrelas era algo mágico, e na lua havia um
dragão. Tempo em que bastava o agora, quando a felicidade se media
em um dia.
Escrever assim, com essa sensação. Sem parágrafos, nem corretor
ortográfico, sem “obrigado” ou “de nada”. Anonimamente,
descuidado do estilo e do temor de julgamento. Bobamente, folgando
com a pena na mão e um papel de suporte, numa quase psicografia
desmotivada, adorando palavras pelo simples fato de amá-las.
Sossêgo, atemporalidade, ilusão de eternidade. Carimbar as horas
com vocábulos, para que existam além de nós.
Pela primeira vez não citar ninguém, não persuadir, nem aparecer.
Nudemente grafar, só brincando de a+b, b+r, a+ç, ç+o. E a chuvinha
a ressonar, a pele arrepiando de vez em quando.
Momento resumo, aquela hora em que tudo ou nada importam, que o tempo
para, que tanto faz a realidade exterior, basta o casulo, o centro do
mundo.
Delícia cochilar assim, esticando a letra num traço, que diferente
de um laço, não põe fecho em nada. Reticência perfeita para esta
escapada sempiterna.
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