O Coletivo

Blog do escritor Juliano Rodrigues. Aberto a textos gostosos de quem quer que seja. Contato: julianorodrigues.escritor@gmail.com

quinta-feira, 21 de julho de 2016



                                                       rIsCaNdO


                                                        Juliano Barreto Rodrigues


Vamos falar de amenidades. Só andar à toa com as palavras, curtindo levemente o ócio criativo. Nada sério ou grave, nenhuma negativa. Deixar fluir, meditativamente, como que vendo aquela chuvinha mole lá fora, deitado na poltrona reclinável, curtindo, sob cobertas, um friozinho de leve, só com o barulho da água caindo. Abstrair.

Coisa de mal abrir os olhos, pegar a caneta despretensiosamente e marcar o papel. Na outra mão, um chá quente de capim-cidreira. Escrever sem conclusão, nem argumento. Nada de preocupação com quem vai ler, só o desbordar de si.

Azeitar as engrenagens mentais e deixá-las funcionando em marcha lenta, sem esforço, quase em silêncio, meramente para exercitar. Nada a dizer, só uma folha a ser largada no fundo da gaveta.

Divagar naquela saudade gostosa dos queridos e das brincadeiras da infância, quando não se sabia o que seria, mas se queria ser tudo. Quando olhar para as estrelas era algo mágico, e na lua havia um dragão. Tempo em que bastava o agora, quando a felicidade se media em um dia.

Escrever assim, com essa sensação. Sem parágrafos, nem corretor ortográfico, sem “obrigado” ou “de nada”. Anonimamente, descuidado do estilo e do temor de julgamento. Bobamente, folgando com a pena na mão e um papel de suporte, numa quase psicografia desmotivada, adorando palavras pelo simples fato de amá-las.

Sossêgo, atemporalidade, ilusão de eternidade. Carimbar as horas com vocábulos, para que existam além de nós.

Pela primeira vez não citar ninguém, não persuadir, nem aparecer. Nudemente grafar, só brincando de a+b, b+r, a+ç, ç+o. E a chuvinha a ressonar, a pele arrepiando de vez em quando.

Momento resumo, aquela hora em que tudo ou nada importam, que o tempo para, que tanto faz a realidade exterior, basta o casulo, o centro do mundo.

Delícia cochilar assim, esticando a letra num traço, que diferente de um laço, não põe fecho em nada. Reticência perfeita para esta escapada sempiterna.



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