SAIU
MEU LIVRO!
No
filme Amistad, de 1997, dirigido por Steven Spielberg, o personagem de Antony
Hopkins, um advogado aposentado, diz para o personagem interpretado por Morgan
Freeman que, nos tribunais - especialmente no Júri - ganha o lado que conta a melhor
‘história’. É disso que meu livro fala.
“A Verdade dos Autos versus a Verdade Real
na Justiça Criminal: a influência da linguagem para a decisão no processo
criminal”. 257 páginas. Publicado pela editora alemã Novas Edições
Acadêmicas, uma marca da OmniScriptum GmbH & Co.KG, foi registrado na
Alemanha sob o ISBN n° 978-613-0-16313-6.
Fruto
da dissertação de mestrado em Direito, Relações Internacionais e
Desenvolvimento (PUC-GO), concluída em 2013, o livro se vale de conceitos e
referências do Direito, História, Linguística, Psicologia, Análise do Discurso, etc., para
questionar a fidelidade aos acontecimentos e a eficiência do que é apresentado por escrito ao juiz para
subsidiar seu julgamento.
O
problema é que o juiz não presenciou o acontecimento, só tem acesso ao que
contam sobre ele no processo. A Defesa diz uma coisa, a acusação diz outra.
Testemunhas dizem um milhão de coisas, dependendo do lado para o qual pendem. E
tudo que é dito é passado a escrito, com as limitações, maneirismos e estilo do
escrivão que colhe as declarações, ou do
delegado que dita, ou no do promotor, etc.
No
fim, é como se uma história fosse contada a várias mãos, que estão divididas
pelo menos em dois lados, um pela condenação, outro pela absolvição.
Quando
um escritor escreve um texto, ‘linearzinho’, bem pensado e construído, ainda
assim é difícil conseguir uma boa coesão e coerência. Imagine o que é conseguir
isso numa colcha de retalhos, no verdadeiro Frankenstein, que é a pilha de
papéis de um processo. No fim, grosso modo, o juiz vai pender para o lado que
conseguir contar a história mais bem contada. E as histórias podem ser contadas
de várias formas:
Na
página 62 do livro podemos ler um texto enviado pelo
cientista político Cyro Junqueira ao jornalista Chico Dias, que serve para
ilustrar a tese de que nem sempre a história divulgada corresponde àquela de
fato ocorrida:
Judy Wallman é uma
pesquisadora na área de genealogia nos Estados Unidos. Durante pesquisa da
árvore genealógica de sua família deu de cara com uma informação interessante.
Um tio-bisavô, Remus Reid, era ladrão de cavalos e assaltante de trens. No
verso da única foto existente de Remus (em que ele aparece ao pé de uma forca)
está escrito: “Remus Reid, ladrão de cavalos, mandado para a Prisão Territorial
de Montana em 1885, escapou em 1887, assaltou o trem Montana Flyer por seis
vezes. Foi preso novamente, desta vez pelos agentes da Pinkerton, condenado e
enforcado em 1889.”
Acontece que o ladrão
Remus Reid é ancestral comum de Judy e do senador pelo estado de Nevada, Harry
Reid. Então Judy enviou um e-mail ao senador solicitando informações sobre o
parente comum. Mas não mencionou que havia descoberto que o sujeito era um
bandido.
A atenta assessoria
do Senador respondeu desta forma: “Remus Reid foi um famoso cowboy no
Território de Montana. Seu império de negócios cresceu a ponto de incluir a
aquisição de valiosos ativos eqüestres, além de um íntimo relacionamento com a
Ferrovia de Montana. A partir de 1883 dedicou vários anos de sua vida a serviço
do governo, atividade que interrompeu para reiniciar seu relacionamento com a
Ferrovia. Em 1887 foi o principal protagonista em uma importante investigação
conduzida pela famosa Agência de Detetives Pinkerton. Em 1889, Remus faleceu
durante uma importante cerimônia cívica realizada em sua homenagem, quando a
plataforma sobre a qual ele estava cedeu.” (DIAS, 2010, p. 1).
Esse é um
exemplo tragicômico de como os discursos de verdade podem ser manipulados e
interpretados conforme as conveniências.
Na página 135 do livro cito o professor Michael Sandel, da Harvard
Law School, que transcreve parte de uma discussão no interrogatório do
ex-presidente Bill Clinton, quando foi acusado de manter relações sexuais com
sua estagiária Monica Lewinsky. Um
congressista republicano debatia com o advogado de Clinton, Gregory Craig:
SENADOR REPUBLICANO BOB
INGLIS: Dr. Craig, ele mentiu para o povo americano quando disse: “Eu nunca
tive relações sexuais com aquela mulher?” Ele mentiu?
[...]
CRAIG: Ele não acredita
que tenha mentido devido à forma como... Deixe-me explicar que... Deixe que eu
explique, senhor senador.
IGLIS: Ele acha que não
mentiu?
CRAIG: Não, ele acha que
não mentiu porque sua concepção de sexo é a definição que consta no dicionário.
O senhor pode até não concordar, mas, no entender dele, a definição não era...
[...]
IGLIS: Porque agora o
senhor voltou à argumentação... Existem vários argumentos que podem ser usados
aqui. Um deles é o de que ele não teve relações sexuais com ela. Foi sexo oral,
não foi sexo de verdade. É isso que o senhor está aqui para nos dizer hoje? Que
ele não teve relações sexuais com Monica Lewinsky?
CRAIG: O que ele disse ao
povo americano foi que ele não teve relações sexuais. E compreendo que o senhor
não goste disso, senador, porque... o senhor vai considerar essa resposta uma
defesa técnica ou uma resposta capciosa, evasiva. Mas a relação sexual é
definida em todos os dicionários de determinada maneira, e ele não teve esse
tipo de contato com Monica Lewinsky [...]. (SANDEL, 2011, p. 168-169).
O exemplo demonstra perfeitamente. Bill Clinton não disse toda a
verdade, mas também não mentiu. Utilizou a evasiva, um jogo de dissimulação.
Uma possível lenda urbana, apresentada (na página 49) como uma
"história real e que ganhou o primeiro lugar no Criminal Lawyers Award
Contest”, atribuída a autor anônimo, relata um caso interessante, que destaca a
dialética que envolve os dois lados envolvidos em um processo judicial, e como
o “jogo” processual pode ser manietado pelo “jogador” mais preparado ou mais
“esperto”:
Um advogado de Charlotte, NC, comprou
uma caixa de charutos muito raros e muito caros. Tão raros e caros que
colocou-os no seguro contra fogo, entre outras coisas. Depois de um mês, tendo
fumado todos eles e ainda sem ter terminado de pagar o seguro, o advogado
entrou com um registro de sinistro contra a companhia de seguros. Nesse
registro, o advogado alegou que os charutos "haviam sido perdidos em uma
série de pequenos incêndios".
A companhia de seguros recusou-se a
pagar, citando o motivo óbvio: que o homem havia consumido seus charutos da maneira
usual. O advogado processou a companhia... E GANHOU.
Ao proferir a sentença, o juiz
concordou com a companhia de seguros que a ação era frívola. Apesar disso, o
juiz alegou que o advogado "tinha posse de uma apólice da companhia na
qual ela garantia que os charutos eram seguráveis e, também, que eles estavam
segurados contra o fogo, sem definir o que seria fogo aceitável ou
inaceitável" e que, portanto, ela estava obrigada a pagar o seguro.
Em vez de entrar no longo e custoso
processo de apelação, a companhia aceitou a sentença e pagou U$15.000 dólares
ao advogado, pela perda de seus charutos raros nos incêndios.
AGORA A MELHOR PARTE :
Depois que o advogado embolsou o
cheque, a companhia de seguros o denunciou, e fez com que ele fosse preso, por
24 incêndios criminosos! Usando seu próprio registro de sinistro e seu
testemunho do caso anterior contra ele, o advogado foi condenado por incendiar
intencionalmente propriedade segurada e foi sentenciado a 24 meses de prisão,
além de uma multa de US$24.000.
Moral da história: Do outro lado também
tinha um advogado. Melhor e mais esperto! (PUFFUN.COM, 2012, p.1).
Como bem
consignaram Chico Buarque de Holanda e Edu Lobo, na música Verdadeira Embolada,
[...]
Na realidade
Pouca verdade
Tem no cordel da história
No meio da linha
Quem escrevinha
Muda o que lhe convém
[...].
(HOLANDA, LOBO, 1985).
Cada construtor
da história processual procura manipular as palavras de forma a modelar uma
versão dos fatos que seja útil ao seu lado.
William Diehl transcreve, na obra Primal fear, um diálogo (página 106 do livro) que ilustra bem o
fato de, no caso o advogado, utilizar a verdade (versão) conveniente para
defender seu cliente:
Advogado – O sistema judicial não quer saber se o réu é culpado ou
inocente. Eu também não. Todo réu, independentemente do que fez, merece a
melhor defesa que possa ter.
Interlocutor – O que acha da verdade?
Advogado – Verdade? Que tipo de verdade?
Interlocutor – Não sei quantas verdades há. Não acha que só há uma? Qual
é a correta?
Advogado – Só há uma verdade. A minha versão. Aquela
que crio nas mentes dos doze indivíduos do júri. Se quiser, pode chamar isso de
“ilusão da verdade” (CHALITA, 2004, pp. 3-4).
A opinião pública abraça a versão mais espetacular e comovente que
lhe é apresentada. Há quem saiba criar histórias especialmente convincentes
nesse sentido. A colunista da revista Época, Ruth de Aquino, trouxe a público
um exemplo extremo da influência da mídia, das memes, dos boatos e mentiras
sobre o senso comum (página 182 do livro):
O professor de geografia,
radialista e humorista Fábio Flores, capixaba de 39 anos, é um criador de
notícias falsas ou, na definição dele, “fantasiosas”. A repercussão nacional e
internacional de suas histórias é tão ampla que Fábio pensa em transformar sua
experiência numa tese de mestrado sobre o “jornalismo mentira”. Ele publica
casos com nome, sobrenome, idade, profissão, detalhes como “o quê, quando, como
e por quê” em blogs e sites que fazem referência a seu humor no rodapé.
Os casos de Fábio são um
1º de abril eterno. Ganham legitimidade
com a palavra de especialistas, debates em televisão e em universidades,
projetos de lei, aulas de Direito e reportagens na mídia impressa e virtual no
Brasil, Espanha, Itália, França e Estados Unidos. Ele nunca reclama a
autoria. Não quer deter o curso de sua ficção. Seu interesse é outro: analisar
até onde voam seus personagens – algo que ele chama de “capilaridade”. Os
assuntos com “maior capilaridade na rede”, segundo ele, são, pela ordem, “sexo,
leis e religião”. [sem negrito no
original]. (AQUINO, 2012, p.1).
O mais interessante é que o autor das falsas histórias atinge não
apenas “o homem médio” – a quem cabe melhor o conceito de “senso comum”, mas
especialistas nacionais e internacionais.
Então, alguém duvida que muito do que é dito a respeito do que
quer que seja, e de quem quer que seja, possa ser pura invenção, conjectura ou
maldade mesmo? E que isso pode ser feito de forma bem persuasiva?
No caso do processo, defendo no livro que um julgamento
é uma encenação de consequências
reais, baseada em um roteiro falho, mas de aparência lógica, porém, nem
sempre com correspondência fiel ao acontecido e com resultado estritamente justo.
Rodell (1939), levando ao extremo sua censura ao cânone
processual, desacreditando-o, afirmou (página 192 do livro), no Prefácio de seu
livro Woe Unto You, Lawyers! :
“Na faculdade de direito eu tive sorte. Ten of the men under whom I took courses were
Dez dos homens com quem eu fiz cursos foramsufficiently skeptical and common-sensible about the branches of
law they were teaching suficientemente cépticos e razoavelmente
sensíveis sobre os ramos do direito que eles estavam ensinando so that, unwittingly of course, they served
together to fortify my hunch about the phoninessde modo que, sem querer,
é claro, eles serviram para fortalecer o meu palpite sobre a falsidadeof the whole legal process. de todo o processo legal.”
[tradução livre e sem negrito no original]. (RODELL, 1939, p. 3).
No blog
“Una Voz en el Camino”, um post assinado
por “Orientador” apresenta a seguinte situação e comentário:
Hipoteticamente,
a verdade ‘real’ e a jurídica às vezes não coincidem; por circunstâncias
difíceis de comprovar. Imaginemos o insólito caso de uma pessoa que chegue ao
escritório de um amigo, e encontra seu corpo estirado no tapete, com uma faca
enterrada no peito; o homem ao ver seu amigo neste estado se lança sobre o
corpo, lhe escuta para ver se ainda está com vida, e impulsivamente pega a faca
com as mãos e a puxa, tirando-a do corpo sem vida. Nesse instante entra um
irmão do homem que jaz no tapete. Você pode completar a história. Existe neste
caso a verdade do amigo que quis fazer algo a favor da vítima, e uma verdade do
irmão. Em um julgamento sobre este caso, você já pode imaginar qual será a
verdade jurídica. [tradução livre]. (ORIENTADOR, 2008, p.1).
A citação (página 201 do livro) sintetiza a inquietude motriz da
pesquisa que se levou a cabo: não há uma verdade apresentada nos autos,
mas versões conflitantes. Então, o que é julgado no processo é a “verdade”
melhor contada e com provas mais robustas (ainda que nem sempre perfeitas) a
lhe confirmar, o que pode gerar – e gera – muitas injustiças.
O livro trata muito mais profundamente do tema, estudando todos os
atores ativos do processo: defensores, acusadores, julgadores, testemunhas, o
autor e a vítima, escrivães, delegados, etc., e o que podem fazer pelo
resultado final do julgamento. Espero que gostem.
Por fim, como disse FEYERABEND,
“Devemos confiar apenas provisoriamente no que quer que aceitemos.” (Feyerabend apud Coracini, 1991, p. 23).
O livro está disponível para compra no site da Amazon: www.amazon.com. É só digitar o nome Juliano Barreto Rodrigues.
REFERÊNCIAS
AQUINO, Ruth de.
Sexo, mentiras e internet. Revista
Época. Atualizado em 05/10/2012. Acessado em 25/11/2012. Disponível em: <
http://revistaepoca.globo.com/Mente-aberta/ruth-de-aquino/noticia/2012/10/sexo-mentiras-e-internet.html>
CHALITA,
Gabriel. A sedução no discurso : o poder
da linguagem nos tribunais do júri. –
2. ed. Revista – São Paulo : Saraiva, 2004.
CORACINI, Maria José
Rodrigues Faria. Um fazer persuasivo : o
discurso subjetivo da ciência. – 1. ed. – São Paulo : Educ; Campinas, SP :
Pontes, 1991. 216 p.
DIAS, Chico. Fala Sério!. Blog do jornalista Chico
Dias. Como limpar uma ficha suja. 2010. Acessado em 02 ago. 2011. Disponível
em: http://chicodias.wordpress.com/2010/07/30/como-limpar-uma-ficha-suja/
HOLANDA, Chico
Buarque de. LOBO, Edu. Verdadeira
embolada.
1985. Para a peça O corsário do rei, de Augusto Boal 1986 © - Marola Edições Musicais Ltda.
ORIENTADOR. Roxana
Vargas: La verdad Juridica. Blog Una
Voz en el Camino. 2008. Acessado em 06 dec. 2012. Disponível em:
<http://orientador.wordpress.com/2008/08/04/roxana-vargas-la-verdad-juridica/>
PIRANDELLO, Luigi. Assim É (Se Lhe Parece). São Paulo :
Editora Tordesilhas. 2011. 200 p.
PUFFUN.COM. Criminal Lawyers Award. Acessado em 25 nov. 2012. Disponível em:
<http://www.naute.com/stories/cigars.php>
RODELL, Fred. Woe
Unto You, Lawyers! Yale University : 1939. Disponível em:
<http://constitution.org/lrev/rodell/woe_unto_you_lawyers.htm>
Acessado em 12 dez. 2012.
SANDEL,
Michael J. Justiça – O que é fazer a
coisa certa. Tradução de Heloisa Matias e Maria Alice Máximo. – Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. 349 p.