Tendo o jovem Franz Xaver Kappus
enviado alguns de seus poemas ao grande poeta da língua alemã Rainer Maria
Rilke para que este os analisasse e o aconselhasse a como escrever melhor, foi
surpreendido com uma correspondência epistolar que durou cinco anos. Dez das
missivas foram publicadas sob o título Poemas e Cartas a um Jovem Poeta.
Dentre as sugestões de leitura e
conselhos, a impossibilidade de se apreender a arte sob os vieses da razão e da
crítica é reiteradamente defendida por Rilke. Ele a alça a um patamar superior,
afeto principalmente ao sentimento, e a coloca como um ímpeto irrecusável que
leva o criador à necessidade quase física de produzir. Produzir para si, como
se simplesmente não pudesse deixar de fazê-lo.
Nesse sentido de total vinculação do
criar ao estado de espírito, o tempo jamais seria programado, a verdadeira arte
nascendo do artista na hora em que estivesse madura, o que a tornaria
incompatível com a encomenda.
Rilke sugere que se voe rasante,
atendo-se às coisas pequenas, não se aventurando de início aos grandes temas
cliché - como o amor, a fé, a morte abstratamente tomada – sobre os quais todos
os maiores já se expressaram com mestria.
A recomendação me lembrou o ofício do
cronista, que faz dos menores quadros do dia-a-dia o que a moldura da boa
escrita vai dar os ares de encantamento e importância.
De tudo, o melhor foi o alerta para a
busca da voz própria, que resumo na repreensão de Rilke a Kappus:
Indaga-me se os seus versos são bons. Pergunta a mim,
depois de ter perguntado a várias pessoas. Manda-os para revistas, compara-os a
outros versos e alarma-se quando certos jornais repelem os seus ensaios
poéticos. Doravante, (já que me permite aconselhá-lo) peço-lhe que renuncie a isto.
O seu olhar está voltado para o exterior. Eis o que não deve voltar a acontecer
(RILKE, p. 93).
Do criar para si, para satisfazer
aquela necessidade que grita ou que sussurra é que o ponto da boa escrita é
ultrapassado e ela se torna Arte. Daí brota o estilo único do escritor,
processo idêntico ao surgimento da assinatura pictórica do pintor, da rubrica
autoral do compositor.
Nesse sentido, sendo arroubo do
espírito, nenhuma obra deveria ser rotulada. Do momento em que é parida, toma
vida própria, vai significar e ter valor a partir da perspectiva de quem a lê,
e não mais de seu autor.
Referência
Rilke, Rainer Maria. Poemas : e Cartas a um jovem poeta / Rainer Maria Rilke. Geir
Campos [Trad.] Fernando Jorge [Trad.] Rio de Janeiro : Ediouro, 1992. - 145 pág.
Título original: Gedichte.
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