O Coletivo

Blog do escritor Juliano Rodrigues. Aberto a textos gostosos de quem quer que seja. Contato: julianorodrigues.escritor@gmail.com

segunda-feira, 6 de abril de 2015

RIQUEZA ÍNTIMA


JULIANO BARRETO RODRIGUES


                   Andando apressadamente para o serviço parei, como que obrigado, por uma cena que me chamou a atenção. Havia um livro em cima do banco da praça, sem ninguém por perto. Eu, que sempre venerei meus livros, que lavo as mãos antes de manuseá-los, limpo suas capas e cortes quando os compro usados, abro-os só até 90° para não forçar a lombada e as costuras, que morro de ciúme quando me pedem emprestado, eu, que os amo tanto, olhei para aquele livro como quem vê uma criança abandonada. Fui acudi-lo.
                   Sentei-me a seu lado, peguei-o com carinho e dei uma olhada na frente e no verso para ver se estava inteiro. Mais tranquilo com seu estado, olhei o título: Dom Casmurro. Pensei em quão desumana seria uma pessoa para deixar uma obra-prima de Machado de Assis assim, ao léu. Não pude evitar um praguejar resmungado.
                   Embora não me fosse inédito, senti uma grande alegria em tê-lo comigo, resgatado. Abri o livro e vi que havia uma dedicatória que dizia: “Filha querida, há riquezas na vida que são tão doces, que as carregamos dentro da gente. A vivência de um bom livro é uma delas. Depois que o autor escreve, o texto não é mais seu e cada um dos leitores vai viver aquelas linhas de uma forma particular, gozando sensações únicas que não serão repetidas da mesma forma em nenhuma outra pessoa. Quando gostar muito do que leu, guarde para si o seu tesouro e, se gostares tanto a ponto de querer que outros possam experimentar algo parecido com o que sentiu, dê de presente o livro, ou largue-o à própria sorte em qualquer lugar, porque um livro bom jamais fica sozinho. Beijo da mamãe, que te ama muito.”
                   Fiquei ali meditando e deplorei meu pré-julgamento. Sou um casmurro, pensei eu. Divaguei na lembrança do momento de vida em que li aquela obra, do que ansiava, de como a leitura me abrandava a realidade dos dias, das coisas em que me ocupava, enfim, da história que nós dois – eu e o livro do Bruxo do Cosme Velho – tivemos. Obviamente, havia me enriquecido com ele. 
                  Passei as mãos de criança naquele velho mestre, suspirei fundo e o deixei ali, no banco, como tesouro para mais alguém.


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