JULIANO BARRETO RODRIGUES
Andando apressadamente para o serviço parei, como
que obrigado, por uma cena que me chamou a atenção. Havia um livro em cima do
banco da praça, sem ninguém por perto. Eu, que sempre venerei meus livros, que
lavo as mãos antes de manuseá-los, limpo suas capas e cortes quando os compro
usados, abro-os só até 90° para não forçar a lombada e as costuras, que morro
de ciúme quando me pedem emprestado, eu, que os amo tanto, olhei para aquele
livro como quem vê uma criança abandonada. Fui acudi-lo.
Sentei-me a seu lado, peguei-o com carinho e dei
uma olhada na frente e no verso para ver se estava inteiro. Mais tranquilo com
seu estado, olhei o título: Dom Casmurro. Pensei em quão desumana seria uma
pessoa para deixar uma obra-prima de Machado de Assis assim, ao léu. Não pude
evitar um praguejar resmungado.
Embora não me fosse inédito, senti uma grande
alegria em tê-lo comigo, resgatado. Abri o livro e vi que havia uma dedicatória
que dizia: “Filha querida, há riquezas na vida que são tão doces, que as
carregamos dentro da gente. A vivência de um bom livro é uma delas. Depois que
o autor escreve, o texto não é mais seu e cada um dos leitores vai viver
aquelas linhas de uma forma particular, gozando sensações únicas que não serão
repetidas da mesma forma em nenhuma outra pessoa. Quando gostar muito do que
leu, guarde para si o seu tesouro e, se gostares tanto a ponto de querer que
outros possam experimentar algo parecido com o que sentiu, dê de presente o
livro, ou largue-o à própria sorte em qualquer lugar, porque um livro bom
jamais fica sozinho. Beijo da mamãe, que te ama muito.”
Fiquei ali meditando e deplorei meu
pré-julgamento. Sou um casmurro, pensei eu. Divaguei na lembrança do momento de
vida em que li aquela obra, do que ansiava, de como a leitura me abrandava a
realidade dos dias, das coisas em que me ocupava, enfim, da história que nós
dois – eu e o livro do Bruxo do Cosme Velho – tivemos. Obviamente, havia me
enriquecido com ele.
Passei as mãos de criança naquele velho mestre,
suspirei fundo e o deixei ali, no banco, como tesouro para mais alguém.
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