O Coletivo

Blog do escritor Juliano Rodrigues. Aberto a textos gostosos de quem quer que seja. Contato: julianorodrigues.escritor@gmail.com

domingo, 12 de abril de 2015

                                      Model Debby  - Photo by Nicholas Oneal

                                                         DOM-DOM         
                                                                                                      Juliano Barreto Rodrigues.

--- Pára de ser se-metão, ô cimitarra. Vê se se atipa, seu comédia sem noção!
Foi assim que a nega Dom-Dom começou a briga. Que bichinha mais arrepiada aquela menina. Também, pudera, onde já se viu uma morta-de-fome daquela ter um nome tão importante: Domitila?! Já nasceu metida e encrenqueira. O Sinésio, que se achava o “MC” do pedaço, só de ver a doida já encrespava. Acho que era amor. Sei que naquele dia a coisa foi feia; depois que a Dom-Dom tirou com a cara dele, o figura surtou:
--- Tá falando comigo periguete? Nem sei quem é você.
Pronto. Deu asa para cobra, mexeu com os brios da garota.
--- Periguete é a puta da sua mãe e você sabe muito bem quem eu sou, tanto que antes de descer o morro vivia no meu pé. Só porque deu pra tocar uns funkzinhos fajutos tá se achando?! Tem que comer muuuito feijão pra poder ostentar pra cima de mim. Tô acostumada com homem de verdade, não com moleque.
O sangue subiu no olho do Sinésio. A galera da comunidade tava vendo a nega crescer sobre ele. Tinha que mostrar quem mandava, afinal ele já tinha conseguido se lançar na pista, a zona norte já o conhecia, não só o povo da favela. Já era alguém na vida. Pensou rápido e decidiu não dar IBOPE. Por hora bastou um “vai se fuder” falado já de saída.
Dom-dom ficou lá xingando e se vangloriando pela vitória. Não achou que a coisa iria dar pano-pra-manga.
Um mês depois ia ter um baile funk no pé do morro. Teria um concurso de beleza entre as várias comunidades simpatizantes. Dom-Dom já estava preparando dança, fala e roupa. Tinha até fã-clube. A única coisa que tava pegando era o showzinho do Sinésio.
Marquinho, mais conhecido como Sherazade, era a personal stylist da Dom-Dom. Fazia as trancinhas, depilação, maquiagem, unha, e as marquinas de biquini com esparadrapo que ela cultivava na lage do salão. Era sua confidente e incentivadora, uma traveca multimídia. Já tinha sentido um certo nervosismo diferente na nega:
--- Fala amiga, que é que você tem? É por causa daquela celebridadezinha de um segundo que cê tá assim? Quem é MC Sinésio? Quem é? Você já colocou ele no lugar dele. Força na peruca, minha linda! Não tem nenhuma pet-cat mais bonita do que você nesse concurso.
Pior era ter que ensaiar a coreografia do hit do Sinésio. Mas não tinha outro jeito, se tinha que dançar, que fosse.
Os dias se passaram e a nega tava parecendo rainha de bateria. Tava tudo no lugar, brilhando de bronze e óleo. A menina realmente dava gosto de ver, parecia a Viviane Araújo.
No dia do show, Dom-Dom foi em comitiva. O morro todo tava lá. Foi para os bastidores se produzir. Era uma das últimas que seriam chamadas. O som começou a rolar e lá na coxia só Chandom na alta pra soltar as garotas. O baile bombando o DJ anunciou o concurso.
Dom-Dom deixou só a roupa pra vestir por último. Era pouca coisa, só um top da La Bela Máfia e um shortinho John John. O que daria o plus seria o saltão dourado, o cabelo feito, as pulseiras, anéis, brincos e a correntona de ouro que só uma diva da comunidade - de verdade - conseguia ter.
Altas horas o DJ, pra jogar um confete no Sinésio, diz que ele é quem vai apresentar as meninas. Pau quebra. O Sinésio chamava Mariana, Carolina, Duda do Vale da Ponte, Loira, Márcinha novinha, Suzy, Keithielly e mais umas dez. Uma a uma entravam, faziam carão, dançavam, falavam e saiam. Dom-Dom só na ansiedade.
Chegando sua hora, Dom-Dom procura sua roupa e cadê. Procura de um lado, procura do outro, roda a baiana, dá piti e nada. Sem outro recurso pede emprestado pras outras meninas. Que? Nenhuma daquelas invejosas ia fazer uma graça dessas, né? De repente ouve o Sinésio anunciando o final das apresentações, depois só iria faltar o julgamento. Quando não chamou por ela, Dom-Dom entendeu que era vingança. Aquele sem-vergonha tinha armado tudo pra ela não entrar.
Brava feito Iansã na tempestade, e com a Gira no couro, a nega só deu a volta na toalha, tampou o que dava, meteu o salto e partiu furiosa pro palco. Quando entrou só a pick-up estava tocando, sem ninguém cantando. Chegou chegando. Quando a galera viu aquilo foi ao delírio. O Sinésio ficou ali plantado com cara de besta e afinou pro olhar da nega. Viu que tinha perdido. Ela abusou, roubou a cena pra valer. Por fim, pediu o microfone, falou de si e pediu uma música do MC rival do Sinésio. Foi o fecho que faltava: Domitila desfilou feito uma rainha; dançou de um jeito que todo mundo surtou. Para pôr um ponto final, antes de sair jogou a toalha no público. Saiu de lá vitoriosa e consagrada.
Na segunda-feira só dava ela. Fotos de Dom-Dom circulavam na net e sua ousadia era contada nos programas de TV. Sua fama foi meteórica. Detonou o Sinésio em todas as oportunidades que teve. Ele entendeu que uma mulher desfeiteada é perigosa absurdo.

Um belo dia Dom-Dom recebe um zapzap assim: “Oi my princess, vc tava linda na Ana Maria Braga”. Sem muito interesse ela pergunta: “Brigadim, quem é?” Daí a pouco vem a resposta: “É o MC Sinésio, tá de boa?” Domitila, chocada pensa um pouco, fala uns impropérios, rói o esmalte, sapateia sem sair do lugar, pensa mais um pouco e, com medo de deixar o momento passar escreve: “De boa, e vc?” E o Sinésio: “Queria te ver”. Ela ri pra si mesma e manda: “Tá”.

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