O Coletivo

Blog do escritor Juliano Rodrigues. Aberto a textos gostosos de quem quer que seja. Contato: julianorodrigues.escritor@gmail.com

sábado, 18 de abril de 2015

EVOLUÇÃO CONTÍNUA (Juliano Barreto Rodrigues)

                                       Yuriana Dantas e Jander Rodrigues

Algumas pessoas nos inspiram de forma ímpar. Relembrando um curso que fiz, estava remoendo algumas coisas que aprendi do grande tatuador quirinopolino radicado em Goiânia, Jander Rodrigues. O que me ensinou foi muito além de técnicas, foi determinada atitude frente à vida, ao trabalho e a mim mesmo.
Descrevendo os segredos de sua arte, os detalhes “descobertos” com anos e anos de dedicação extrema ao ofício, ficou patente que a excelência está totalmente vinculada ao fazer pelo fazer, para muito além da preocupação com dinheiro, fama, mídia ou o que quer que seja. É óbvio que estas são motivações importantes, mas são secundárias diante do envolvimento total com a produção de algo que se ama e que o artífice pretende ver perfeito, em seus mínimos detalhes.
Nesse altíssimo nível de cuidado com produzir uma obra prima, as atividades-meio passam a ter uma atenção que o profissional menos apaixonado deixa passar sem dar importância. Estávamos falando de tatuagem, mas Jander queria mostrar que a máquina certa, na velocidade certa, com a agulha mais adequada a determinada etapa, guiada no ângulo e andamento correto, com a tinta diluída a “x” por cento em um diluente feito de uma mistura testada dia-a-dia pela prática, tudo colocado em uma bancada móvel com a altura que o braço alcance sem esforço, a pele iluminada por uma luminária móvel encaixada em um pedestal de microfone para dar melhor firmeza, etc., são o “pulo-do-gato”, o que faz com que determinada peça de arte saia exata e magnífica.
Ou seja, certo grau de perfeição está ligado à observância de TODOS os detalhes na execução, sem exceções. O ritual do burilar cada mínima fase sem pressa e em todo seu andamento vai dotando o produto de uma qualidade incomum e vai transformando o artista em um esmerado e paciente criador de jóias únicas, inimitáveis.
O respeito “oriental” (que eu apelido de zen-budista) ao fazer é o diferencial entre os grandes e os realmente grandes. Fazer com alma: esse o resumo do comprometimento desejável.
Jander me legou uma lição para todas as coisas que faço: não produzir nada maquinalmente, sem deixar algo de mim no que for feito. O que me proponho a fazer bem, pode ser feito muuuiiito bem se eu me dedicar pra valer, tiver paciência, pensar na melhor forma de conseguir o resultado ideal, cuidar dos mínimos detalhes de cada etapa, colocar meu coração naquilo.
Bem mais do que à atividade fim, hoje sou atento à atividade meio; às vezes essa é a melhor parte. Me lembro sempre do exercício chinês do Dishu em que o poeta cria, com água, ideogramas no calçadão da praça ou do padre José de Anchieta escrevendo na areia. A maioria de nós os chamaria de loucos ou idiotas, mas a sabedoria está em produzir algo lindo, com profundidade e todo o cuidado caligráfico e estético para o agora, independentemente daquilo se evaporar ou ser levado pelas ondas dali a pouco.
Na nossa cultura já parece muito exigir que as pessoas se preocupem adequadamente com coisas perenes - como uma tatuagem, um texto, a construção de uma casa -, quem dirá com as coisas mais imediatas. É preciso uma mudança de visão.
Falei do respeito à obra, mas a intenção é mostrar que trata-se do respeito a si mesmo e à sua própria capacidade. Quando respeita o que faz a ponto de querer aquilo perfeito, o indivíduo já chegou a um ponto em que acredita em si e na própria superação. Se preocupa com a sua reputação perante os outros mas, principalmente, com a imagem que tem de si próprio, com o se acreditar “foda” nas coisas que põe a mão.
A precisão, o detalhamento, a busca eterna pelo melhor ponto, produzem invariavelmente humildade perante o ofício. Entendendo que sempre vão aparecer novas dificuldades e que a todo o momento ele, artífice, será posto à prova para superar-se. Em sua vida não deverá caber arrogância e estagnação. Porque quem está disposto a melhorar tem que estar aberto a aprender, e isso requer uma atitude humilde.
O que decorreu daquelas conversas com um mestre em sua arte me levou a mudanças de atitude em um sem-número de tarefas. Percebi que tudo o que se aprende sobre determinada coisa pode ser aplicado também na realização de outras. Essa atitude receptiva torna possível que se inove em coisas que sempre foram feitas da mesma maneira, permitindo que evoluam para um novo patamar.
O Mestre, como o chamam muitos de seus amigos, ressalta a todo momento suas origens e as dificuldades que o levaram ao sucesso que tem hoje (hoje ganha mais do que um juiz de direito, se é que isso interessa, porque não é o principal para ele). Finca seus pés em seus valores e bases, especialmente sua família, deixando claro que, apesar de amar o que faz, há coisas mais importantes na vida.
Por falar nisso, tem outros interesses e hobbies que lembram quem o rodeia de que “nem só de pão vive o homem”, e é preciso estar aberto para viver outras coisas e se divertir sempre, apesar da concorrência que encontra entre as atividades, por tentar se envolver com tudo que diz respeito – direta e indiretamente – com o universo da tatuagem.
Jander demonstrou desprendimento ao se permitir ensinar as técnicas que o fizeram bem-sucedido, e o fez sem um mínimo de restrição. Disse, sem palavras, que ensinar não tira o mérito de quem faz algo bem, muito pelo contrário, permite que sua arte engrandeça. Um milhão de técnicas não fará de um artista um Jander. O desenvolvimento do próprio estilo, o estudo acurado, a lapidação do gosto, etc., etc., é que vão permitir o que a filosofia prevê como natural: que o discípulo supere o mestre.

Tatuar não sei se aprendi, mas no mínimo compreendi, com um grande exemplo, como fazer tudo de forma diferente e buscando a perfeição. De resto, há um aforismo que levo como lema: “trabalha! E tende paciência!”. O que decorre do que se faz bem são coisas boas.  É isso!

Nenhum comentário:

Postar um comentário