ESCREVENDO
COM ALMA : papel, caneta e a mente do iniciante
(Protocolo
de leitura)
“Escrever significa lidar com toda a sua
vida”
(GOLDBERG, p. 13).
Da
leitura de “Escrevendo com Alma”, de Natalie Goldberg, que trata do desenvolvimento
da escrita autoral, se depreende que a escrita criativa é um processo
individual. A própria autora disse que não aprendeu a escrever “com alma” na
escola pública. Lembrou que escrevia claramente, pontuava direito, mas produzia
textos insossos. Depois da faculdade, fazendo receitas para um restaurante
criado com amigos, foi que passou a confiar na própria cabeça. É muitíssimo
interessante o lampejo que ela teve quando leu um poema sobre como cozinhar
berinjelas, “Então quer dizer que é possível escrever sobre um assunto desses?”
Essa experiência dialoga diretamente com minha própria vivência com a escrita.
Já, inclusive, falei várias vezes sobre isso: com onze anos achei uma caixa com
poemas feitos por minha mãe e, estupefato, pensei “Ué, quer dizer que dá para
escrever desse jeito, sobre o que a gente sente por dentro? Se minha mãe pôde,
também posso!”. Lendo e redigindo, também descobri que é possível escrever
sobre toda e qualquer coisa, tudo depende do “como”. As boas crônicas são um
ótimo exemplo de que o trivial pode ser contado com alma e repercutir por muito
tempo na impressão do leitor.
É
mais fácil, e há mais chance do resultado ser verossímil, quando se escreve
sobre o que se conhece. Natalie fala de amor, de fazer o que se gosta, porque
isso dá segurança no que se faz. Na página 12 ela resume o cerne do seu método
de ensino nas oficinas de escrita, dizendo que passa informações essenciais
para que os alunos acreditem no seu próprio intelecto e ganhem confiança. Concordo
plenamente que isso é o mais importante. Na pré-adolescência tive aulas de
desenho e pintura com um professor que orientava cada um da turma, depois ia passando
de mesa em mesa fazendo correções mínimas (mas essenciais) em cada etapa. De
forma que, no final, depois dele ter passado umas tantas vezes e “dado um talento”
discreto em cada fase, o resultado sempre era incrível, a gente saia achando que
tinha mesmo feito tudo aquilo. Mostrar nossas artes para a família e os amigos
nos estimulava ainda mais. Então, mais do que ensinar a desenhar e pintar, ele
nos fazia acreditar que podíamos, não deixava que achássemos que era difícil.
Não conheço ninguém que, com ele, não tenha aprendido a desenhar. Tudo uma
questão de autoestima e confiança em si (isso sim, o que ele mais ensinou). Com
a escrita funciona do mesmo jeito.
Em
certa ocasião, fiz um curso de escrita criativa com um sujeito que a grande
maioria da turma, depois de umas duas aulas, considerava um charlatão. Pois,
para mim, foi ótimo: eu nunca tinha escrito um conto na vida. Mas ele disse que
podia, encomendou a tarefa, e pronto, daí para a frente passei a escrever
contos. Só bastou alguém lançar o desafio e estimular, acreditando que daria
certo.
Natalie
apresenta o livro como estimulador da escrita para a pessoa compreender a si
mesma e se tornar mais equilibrada. É engraçado que, da mesma forma que ela diz
que vários métodos – alguns até aparentemente contraditórios – podem funcionar,
ela também começa a desmistificar a escrita mistificando: falando da
importância da caneta certa, do caderno adequado, da bolsa com o tamanho certo
para levar o caderno etc. Mas esse é só um jeito dela dizer que tudo importa e
influencia (detalhes), embora quase nada realmente importe, além de ferramenta
que escreva e de suporte para o escrito. O essencial mesmo é o envolvimento da pessoa
com sua criação.
Outra
delícia, nesse primeiro capítulo, é que a autora nos lembra da máquina de
datilografia, coisa que a geração pós anos 80 nem sabe como funciona. Comentando
assim, em passant, é preciso destacar que esse início do livro “Escrevendo
com Alma” é cativante, gera empatia, porque a autora coteja suas experiências
pessoais; é fluido, com uma linguagem exata (clara e direta), que não apresenta
nenhuma dificuldade para o entendimento. Até aqui, adorei o texto e a abordagem
- não mudaria nenhuma vírgula. A introdução e o primeiro capítulo cumprem bem sua
função de nos engajar, fazer com que queiramos ler o livro todo.
REFERÊNCIA
BIBLIOGRÁFICA
GOLDBERG, Natalie. Escrevendo
com a alma : liberte o escritor que há em você / Natalie Goldberg ;
tradução Camila Lopes Campolino; revisão da tradução Silvana Vieira. - São
Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2008. pp. 11 - 16.
***
É possível ensinar
a produzir textos! Os objetivos didáticos e a questão da progressão escolar no
ensino da escrita. Capítulo 3 do livro Produção de Textos na Escola: reflexões e
práticas no Ensino Fundamental.
(Protocolo de
Leitura)
“[...]
escrever um texto envolve uma ação verbal, capaz de provocar efeitos em situações,
eventos e pessoas no mundo. (BRANDÃO; LEAL. 2007, pp. 49, 50).
O
título, “É possível ensinar a produzir textos!” é enfático, uma garantia. Trata-se
de um capítulo escrito por e para professores, tendo, portanto, uma linguagem
condizente: acadêmica mas, neste caso específico, nem tão formal.
Na
página 46 é defendido o argumento, já sedimentado, de que leitura e produção de
textos são eixos indissociáveis. Diz ainda que os eixos de análise linguística,
oralidade e produção de textos também o são. Fiquei meio cético sobre como a
análise linguística pode ser considerada assim, mas a explicação para isso está,
conforme as autoras, lá no capítulo 8. Na verdade, chama mais a atenção a
afirmativa seguinte, com a qual concordo, de que os textos orais e os escritos,
embora requeiram habilidades distintas, podem, muitas vezes, ter essas
habilidades transferidas entre si.
Não
sei se parto dessa ideia por uma esperança pessoal, já que escrevo com muito
maior desenvoltura do que falo. É que gostaria de compartilhar, um tanto da minha
fluência escrita, para a fluência verbal. Embora tenha dito acreditar ser isso
possível, não considero que se dê de forma automática nem, muito menos, de
forma pareada: a gente tem mais habilidades para umas coisas do que para outras
e, mesmo trabalhando estas (que se quer melhorar), ainda assim aquelas
primeiras parecem se desenvolver de forma natural, sem esforço. No capítulo 3,
as autoras defendem principalmente a influência da modalidade oral para o desenvolvimento
da escrita.
O
principal problema do iniciante é, conforme indica o capítulo, o medo de errar.
Isso porque quem escreve cria representações sobre as expectativas do que seus
leitores irão achar dos seus textos, e isso pode ser muito limitante. Então, é
preciso aprender a lidar com essas representações, para perder o medo e
alcançar os efeitos pretendidos.
Um
dos pontos importantes, citado no capítulo, é que os alunos acham muito
distantes os textos escritos, daquilo que produzem oralmente. Se ocorre a
desvalorização do modo de falar, ocorre uma desconfiança com a própria
capacidade de comunicação (Cf. página 48), seja escrita ou falada. Para que não
se exacerbe essa sensação de distanciamento, é preciso que os professores tratem
frontalmente a questão das variedades linguísticas, do que são formas de
prestígio, do que se adequa para umas e outras situações, ensinando que, embora
não comprometam (stricto sensu) a comunicação, têm diferentes efeitos
nas diferentes ocasiões, e que os alunos podem dominar isso. É o que as autoras
ressaltam como “[...] atitudes diante da linguagem e a valorização dos
diferentes espaços sociais de interlocução” (BRANDÃO; LEAL. 2007, p. 49), para
os alunos terem proficiência textual.
Uma
questão fundamental é o desenvolvimento da autoconfiança e da ousadia para
criar textos (Cf. BRANDÃO; LEAL. 2007, p. 55). Como limitador mínimo ou, antes,
como direcionador, as autoras alertam que quem vai escrever deve pensar na
finalidade daquilo que está produzindo e no (a) destinatário (a). Daí, deve
planejar estratégias discursivas para envolver seu leitor (a) e alcançar os
efeitos pretendidos. Destaco, também, o que disseram acerca da revisão em
processo (revisão que se faz o tempo todo, enquanto se escreve mesmo) e da
necessidade de ir replanejando enquanto se produz (fugindo daquela ideia de
planejamento único, antes de começar a escrever). Isso me fez ver que são
coisas que faço intuitivamente, porque a prática contínua mostra que é assim
que o texto se constrói.
Considerar
os conhecimentos prévios dos alunos e suas variedades de fala eleva sua autoestima
e a consciência de que a escrita é mais uma maneira de participarem socialmente.
Na prática, escrever se aprende escrevendo muito e refletindo sobre o que se redige,
bem como sobre outros textos escritos (Cf. BRANDÃO; LEAL. 2007, pp. 49, 50).
Achei
interessantes os blocos de gêneros textuais, de Dolz e Scheneuwly (1996),
sugeridos como meio de aprendizagem em espiral. Cada gênero, de um grupo afim,
é trabalhado em diferentes momentos e ajuda a desenvolver a escrita de outra
modalidade do mesmo grupo; no outro ano, outro bloco é trabalhado, o que não
quer dizer que aquele visto no ano anterior terá sido definitivamente deixado
para trás - pelo contrário, a ideia é que de tempos em tempos seja revisitado e
desenvolvido em novos pontos. Além da familiaridade com as peculiaridades da
escrita em cada gênero, também há a oportunidade de aprofundar conhecimentos de
gramática, tão importantes para a evolução da escrita pessoal.
Gostei
do capítulo, é muito relevante, faz pensar e acrescenta o conhecimento. Redunda
um pouco, teoriza rapidamente, é de fácil leitura, mas poderia ser mais ilustrado
com casos concretos, como os das páginas 60 e 61. Isso tornaria a leitura mais
agradável e até mais eficiente.
REFERÊNCIA
BIBLIOGRÁFICA:
BRANDÃO, Ana Carolina Perrusi;
LEAL, Telma Ferraz (Orgs.) Produção de textos na escola: reflexões e
práticas no Ensino Fundamental. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.