O Coletivo

Blog do escritor Juliano Rodrigues. Aberto a textos gostosos de quem quer que seja. Contato: julianorodrigues.escritor@gmail.com

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

 


DESMEDIDA INERME


Juliano Barreto Rodrigues


Aquele a quem consideravam boçal estudava. Boçal, ignorante e ignoto, continuava estudando. E lia e refletia e curiava. Pouco falava, tímido, mas muito observava. Os espertos estacionaram, ele continuou. Lebres desaceleraram e a tartaruga alcançou. Inteligência franzina foi se hipertrofiando. Danúbio (quem se chama Danúbio?) avançava. Seu dinheiro era só para livros. E também cinema, teatro, arte, aulas. Quem era cauda foi virando cabeça. Vitória da labuta silenciosa. Nem a inveja alheia para atrapalhar. Não naquele processo, antes invisível. Ninguém adivinhava Danúbio. Não deu salto, desabrochou naturalmente. Surpreendeu sem estardalhaço, sem vaidade. De tudo quem sabia? Danúbio! Foi tornando-se necessário, consultado. Pediam-lhe favores, soluções. Danúbio, que achavam boçal, as tinha. Começaram a se envergonhar dos modos. As palavras dele... tão certeiras, bonitas. “Faz o discurso pro prefeito, Danúbio?”. “Pode falar no enterro do juiz?”. “Me dá uma dica num contrato?”. Danúbio testemunha, padrinho, convidado de honra. Publicou poemas, o jornal o contratou. Daí foi um pulo: virou acadêmico. Feio, mas brilhante, casou muito bem. Construiu casa, tijolo por tijolo. Formou uma linda família. Agora o invejavam. Diziam que era demagogo, uma farsa. Mas que fazer ante brilho óbvio? Criticar tornou-se assunção de despeito. Então, pararam de falar. Mais digno assumir a derrota. Chegou um ex-morador da cidade. Perguntou do boçal. “Dobre a língua, é Dr. Danúbio”. “Mas então não era um boçal?”. “Se era, já era”. “Hã, qual o milagre?”. “Estudo, persistência, cultivo, profundidade, e só”. “Bem feito pra esse povo. Quem mandou se vangloriar cedo? Quem humilha, dá motivo ao humilhado. Segredo do sucesso: constância no propósito. Vida longa ao Dr. Danúbio! Um belo exemplo.”



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