O Coletivo

Blog do escritor Juliano Rodrigues. Aberto a textos gostosos de quem quer que seja. Contato: julianorodrigues.escritor@gmail.com

domingo, 21 de novembro de 2021

Protocolos de leitura de dois capítulos de livros


 

ESCREVENDO COM ALMA : papel, caneta e a mente do iniciante

(Protocolo de leitura)

 

“Escrever significa lidar com toda a sua vida”

(GOLDBERG, p. 13).

 

Da leitura de “Escrevendo com Alma”, de Natalie Goldberg, que trata do desenvolvimento da escrita autoral, se depreende que a escrita criativa é um processo individual. A própria autora disse que não aprendeu a escrever “com alma” na escola pública. Lembrou que escrevia claramente, pontuava direito, mas produzia textos insossos. Depois da faculdade, fazendo receitas para um restaurante criado com amigos, foi que passou a confiar na própria cabeça. É muitíssimo interessante o lampejo que ela teve quando leu um poema sobre como cozinhar berinjelas, “Então quer dizer que é possível escrever sobre um assunto desses?” Essa experiência dialoga diretamente com minha própria vivência com a escrita. Já, inclusive, falei várias vezes sobre isso: com onze anos achei uma caixa com poemas feitos por minha mãe e, estupefato, pensei “Ué, quer dizer que dá para escrever desse jeito, sobre o que a gente sente por dentro? Se minha mãe pôde, também posso!”. Lendo e redigindo, também descobri que é possível escrever sobre toda e qualquer coisa, tudo depende do “como”. As boas crônicas são um ótimo exemplo de que o trivial pode ser contado com alma e repercutir por muito tempo na impressão do leitor.

É mais fácil, e há mais chance do resultado ser verossímil, quando se escreve sobre o que se conhece. Natalie fala de amor, de fazer o que se gosta, porque isso dá segurança no que se faz. Na página 12 ela resume o cerne do seu método de ensino nas oficinas de escrita, dizendo que passa informações essenciais para que os alunos acreditem no seu próprio intelecto e ganhem confiança. Concordo plenamente que isso é o mais importante. Na pré-adolescência tive aulas de desenho e pintura com um professor que orientava cada um da turma, depois ia passando de mesa em mesa fazendo correções mínimas (mas essenciais) em cada etapa. De forma que, no final, depois dele ter passado umas tantas vezes e “dado um talento” discreto em cada fase, o resultado sempre era incrível, a gente saia achando que tinha mesmo feito tudo aquilo. Mostrar nossas artes para a família e os amigos nos estimulava ainda mais. Então, mais do que ensinar a desenhar e pintar, ele nos fazia acreditar que podíamos, não deixava que achássemos que era difícil. Não conheço ninguém que, com ele, não tenha aprendido a desenhar. Tudo uma questão de autoestima e confiança em si (isso sim, o que ele mais ensinou). Com a escrita funciona do mesmo jeito.

Em certa ocasião, fiz um curso de escrita criativa com um sujeito que a grande maioria da turma, depois de umas duas aulas, considerava um charlatão. Pois, para mim, foi ótimo: eu nunca tinha escrito um conto na vida. Mas ele disse que podia, encomendou a tarefa, e pronto, daí para a frente passei a escrever contos. Só bastou alguém lançar o desafio e estimular, acreditando que daria certo.

Natalie apresenta o livro como estimulador da escrita para a pessoa compreender a si mesma e se tornar mais equilibrada. É engraçado que, da mesma forma que ela diz que vários métodos – alguns até aparentemente contraditórios – podem funcionar, ela também começa a desmistificar a escrita mistificando: falando da importância da caneta certa, do caderno adequado, da bolsa com o tamanho certo para levar o caderno etc. Mas esse é só um jeito dela dizer que tudo importa e influencia (detalhes), embora quase nada realmente importe, além de ferramenta que escreva e de suporte para o escrito. O essencial mesmo é o envolvimento da pessoa com sua criação.

Outra delícia, nesse primeiro capítulo, é que a autora nos lembra da máquina de datilografia, coisa que a geração pós anos 80 nem sabe como funciona. Comentando assim, em passant, é preciso destacar que esse início do livro “Escrevendo com Alma” é cativante, gera empatia, porque a autora coteja suas experiências pessoais; é fluido, com uma linguagem exata (clara e direta), que não apresenta nenhuma dificuldade para o entendimento. Até aqui, adorei o texto e a abordagem - não mudaria nenhuma vírgula. A introdução e o primeiro capítulo cumprem bem sua função de nos engajar, fazer com que queiramos ler o livro todo.

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

 

GOLDBERG, Natalie. Escrevendo com a alma : liberte o escritor que há em você / Natalie Goldberg ; tradução Camila Lopes Campolino; revisão da tradução Silvana Vieira. - São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2008. pp. 11 - 16.

 

***

 

 

É possível ensinar a produzir textos! Os objetivos didáticos e a questão da progressão escolar no ensino da escrita. Capítulo 3 do livro Produção de Textos na Escola: reflexões e práticas no Ensino Fundamental.

(Protocolo de Leitura)

 

“[...] escrever um texto envolve uma ação verbal, capaz de provocar efeitos em situações, eventos e pessoas no mundo. (BRANDÃO; LEAL. 2007, pp. 49, 50).

 

O título, “É possível ensinar a produzir textos!” é enfático, uma garantia. Trata-se de um capítulo escrito por e para professores, tendo, portanto, uma linguagem condizente: acadêmica mas, neste caso específico, nem tão formal.

Na página 46 é defendido o argumento, já sedimentado, de que leitura e produção de textos são eixos indissociáveis. Diz ainda que os eixos de análise linguística, oralidade e produção de textos também o são. Fiquei meio cético sobre como a análise linguística pode ser considerada assim, mas a explicação para isso está, conforme as autoras, lá no capítulo 8. Na verdade, chama mais a atenção a afirmativa seguinte, com a qual concordo, de que os textos orais e os escritos, embora requeiram habilidades distintas, podem, muitas vezes, ter essas habilidades transferidas entre si.

Não sei se parto dessa ideia por uma esperança pessoal, já que escrevo com muito maior desenvoltura do que falo. É que gostaria de compartilhar, um tanto da minha fluência escrita, para a fluência verbal. Embora tenha dito acreditar ser isso possível, não considero que se dê de forma automática nem, muito menos, de forma pareada: a gente tem mais habilidades para umas coisas do que para outras e, mesmo trabalhando estas (que se quer melhorar), ainda assim aquelas primeiras parecem se desenvolver de forma natural, sem esforço. No capítulo 3, as autoras defendem principalmente a influência da modalidade oral para o desenvolvimento da escrita.

 

O principal problema do iniciante é, conforme indica o capítulo, o medo de errar. Isso porque quem escreve cria representações sobre as expectativas do que seus leitores irão achar dos seus textos, e isso pode ser muito limitante. Então, é preciso aprender a lidar com essas representações, para perder o medo e alcançar os efeitos pretendidos.

Um dos pontos importantes, citado no capítulo, é que os alunos acham muito distantes os textos escritos, daquilo que produzem oralmente. Se ocorre a desvalorização do modo de falar, ocorre uma desconfiança com a própria capacidade de comunicação (Cf. página 48), seja escrita ou falada. Para que não se exacerbe essa sensação de distanciamento, é preciso que os professores tratem frontalmente a questão das variedades linguísticas, do que são formas de prestígio, do que se adequa para umas e outras situações, ensinando que, embora não comprometam (stricto sensu) a comunicação, têm diferentes efeitos nas diferentes ocasiões, e que os alunos podem dominar isso. É o que as autoras ressaltam como “[...] atitudes diante da linguagem e a valorização dos diferentes espaços sociais de interlocução” (BRANDÃO; LEAL. 2007, p. 49), para os alunos terem proficiência textual.

Uma questão fundamental é o desenvolvimento da autoconfiança e da ousadia para criar textos (Cf. BRANDÃO; LEAL. 2007, p. 55). Como limitador mínimo ou, antes, como direcionador, as autoras alertam que quem vai escrever deve pensar na finalidade daquilo que está produzindo e no (a) destinatário (a). Daí, deve planejar estratégias discursivas para envolver seu leitor (a) e alcançar os efeitos pretendidos. Destaco, também, o que disseram acerca da revisão em processo (revisão que se faz o tempo todo, enquanto se escreve mesmo) e da necessidade de ir replanejando enquanto se produz (fugindo daquela ideia de planejamento único, antes de começar a escrever). Isso me fez ver que são coisas que faço intuitivamente, porque a prática contínua mostra que é assim que o texto se constrói.

Considerar os conhecimentos prévios dos alunos e suas variedades de fala eleva sua autoestima e a consciência de que a escrita é mais uma maneira de participarem socialmente. Na prática, escrever se aprende escrevendo muito e refletindo sobre o que se redige, bem como sobre outros textos escritos (Cf. BRANDÃO; LEAL. 2007, pp. 49, 50).

Achei interessantes os blocos de gêneros textuais, de Dolz e Scheneuwly (1996), sugeridos como meio de aprendizagem em espiral. Cada gênero, de um grupo afim, é trabalhado em diferentes momentos e ajuda a desenvolver a escrita de outra modalidade do mesmo grupo; no outro ano, outro bloco é trabalhado, o que não quer dizer que aquele visto no ano anterior terá sido definitivamente deixado para trás - pelo contrário, a ideia é que de tempos em tempos seja revisitado e desenvolvido em novos pontos. Além da familiaridade com as peculiaridades da escrita em cada gênero, também há a oportunidade de aprofundar conhecimentos de gramática, tão importantes para a evolução da escrita pessoal.

 

Gostei do capítulo, é muito relevante, faz pensar e acrescenta o conhecimento. Redunda um pouco, teoriza rapidamente, é de fácil leitura, mas poderia ser mais ilustrado com casos concretos, como os das páginas 60 e 61. Isso tornaria a leitura mais agradável e até mais eficiente.

 

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

 

BRANDÃO, Ana Carolina Perrusi; LEAL, Telma Ferraz (Orgs.) Produção de textos na escola: reflexões e práticas no Ensino Fundamental. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.


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