O Coletivo

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domingo, 21 de novembro de 2021

Lição de tento


 

LIÇÃO DE TENTO


Juliano Barreto Rodrigues


A tia velha, benzedeira de descendência nagô, sentada naquela cadeirona de pau, ia apontando as coisas penduradas na parede, calada de azul clarinho. Tamborilava o chão com os chinelinhos e cruzava as mãos de unhas grandes, esmaltadas de lilás. Casa de feiticeira tem perfume de defumador misturado com cheiro de mato e vinho. Perguntei, curioso que só, o que era aquele colar de ‘tento’ perto da porta. Ela riu, maliciosa, acho que alegre com minha esperteza, e disse: “‘Tento’ é coisa de jogador, de blefeiro, de gente alegre que gosta de brincar, mas com quem é bom ter cuidado, pra não ser passado pra trás”. Eu então indaguei como ela iria jogar com os ‘tentos’ se eles estavam amarrados. Aí ela deu uma gargalhada, daquelas dos olhos ficarem apertadinhos por trás dos óculos enormes, e me deu uma lição da ciência ancestral africana: “Aquilo é um colar de Exú, menino. Sabe por que é preto e vermelho? Pois vou lhe contar. Exú gostava de aprontar das suas, então botou um gorro que era uma metade preta e a outra vermelha e saiu para a estrada. Passou à direita de um homem e o cumprimentou. Passou à esquerda de outro, que vinha um pouco atrás, e cumprimentou também. Daí, seguiu os dois, escondido. Viu eles se desentenderem, um dizendo que o menino que tinham visto usava um gorro preto, o outro jurando que era vermelho. A briga que tiveram divertiu Exú. Pois é: o ‘tento’, bem divididinho em preto e vermelho, representa essa história antiga e o próprio Exú; ensina que a gente não sabe tudo das coisas, que é preciso respeitar a certeza dos outros e que, para arrumar uma confusão, basta ser turrão e de um caprichozinho da sorte”. 

Fiquei de olhos arregalados, encabulado sobre como, de uma sementinha, Tia Luzia conseguia tirar uma lição daquelas.



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