O Coletivo

Blog do escritor Juliano Rodrigues. Aberto a textos gostosos de quem quer que seja. Contato: julianorodrigues.escritor@gmail.com

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Entregue


A professora Juliana Dias, do grupo GECRIA (UnB) pediu que criássemos dois binômios fantásticos a partir de dois substantivos e dois adjetivos colhidos, aleatoriamente, das páginas de algum livro. Os que encontrei foram: 

Riso marginal;
Copo aventureiro;

Utilizando-os, a proposta de escrita consistiu em escrever 20 linhas sobre o tema “amor”, mas sem usar qualquer palavra do campo lexical “amor”. Deu nisto:


ENTREGUE

Juliano Barreto Rodrigues

Vi-te, tonto pelo bumbo do meu coração surpreso, sentada a uns dez metros, estibordo da mesa de boteco que eu navegava. O happy hour já estava virando night-alta-hour e, eu, já me afogando em álcool. Mas, no meio das vozes gritantes, que competiam com a música de empolgar relutantes à bebida, topei com seu riso marginal, que apagou todo o resto, por um átimo. Só vi você, e nitidamente. Quase ouvi o som do seu suspiro, quase escutei seu pensamento.

Miração, alumbramento, a taquicardia adrenalínica que me deu escureceu a vista e trouxe um enjôo. Eu havia sido atravessado por seu anzol gigante. De capitão de barco pesqueiro (que a embriaguez me fez achar que era, confiante ali naquele bar), me fiz peixe pescado, miúdo. Ouvi a voz dos que dividiam mesa e excessos comigo, mas não entendi uma palavra. Eu era seu, e você nem sabia.

Aprontei coragem, mirei rumo e calculei passos. Saí flutuando no seu rastro, com meu copo aventureiro numa mão e um cigarro troncho, pendurado à meia boca. Perdoei-me pelos esbarrões do meu percurso e parei na sua frente. Eu disse algo, você disse “oi?”. Puxei cadeira e sentei, abanando um cumprimento para sua amiga. Nos meus olhos você leu o meu “sou seu” e, rindo esnobe, deu linha para brincar com seu peixinho agonizante. Meu coração ali na mesa, servido com chopp gelado e sei-que-lá de alho-poró. 

Hoje faz três anos e uns tantos meses que estamos juntos. E você com meu coração, que nunca devolveu. Ainda navega altaneira em azul-mar, enrolando linha e dando linha. E eu, ali, penduricalho do seu barco, pra sempre preso por vontade. Afinal, meu peito não precisa do que bata, basta a estaca daquele anzol que me fisgou.




 

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