O Coletivo

Blog do escritor Juliano Rodrigues. Aberto a textos gostosos de quem quer que seja. Contato: julianorodrigues.escritor@gmail.com

domingo, 21 de novembro de 2021

Meus olhos da minha mãe


 

MEUS OLHOS DA MINHA MÃE


Juliano Barreto Rodrigues


A memória da gente é interessante: Há, na minha lembrança, uma foto de minha mãe sorrindo, sentada na mureta de uma cozinha de fazenda, com as pernas cruzadas, uma gamela de madeira sobre os joelhos. O curioso é que, quando procurei tal fotografia, descobri que não se tratava de uma, mas de duas fotos, que meu cérebro amalgamou, criando uma imagem só. Os únicos pontos comuns, entre ambas, é que a modelo retratada foi minha mãe e que ela estava rindo, lindamente. Em uma cena, ela estava sentada em uma mureta, pernas cruzadas à frente, uma floresta e um céu de fundo. Tinha uma bolsa azul no colo. No outro registro, acredito que feito posteriormente, vê-se minha mãe de pé em uma cozinha que parece de fazenda, com uma gamela (que existe até hoje) sobre um tanque. Um barrigão de grávida insinuando minha vinda ao mundo. Por que se misturaram as representações na minha cabeça? Que exercício de síntese foi esse, que criou, para mim, uma imagem totalmente nova, a partir de duas? Não sei. Mas acredito que deva isso aos genes herdados da minha madre.


Dona de uma imaginação prodigiosa, minha mãe sempre foi capaz de integrar as lacunas de qualquer história, de forma incrível. O que ela imagina, vira certeza, que ela conta para a gente com uma riqueza de detalhes que faz com que o dito seja exatamente como aconteceu (mesmo que não tenha sido, tim-tim por tim-tim, daquele jeito). Tem uma cabeça de artista... E acho que criou, também a minha, para ser assim, para ir além do real, ficcionalizar, baseado nas melhores emoções. De modo que, neste caso específico, se juntei, mesmo involuntariamente, as duas imagens, é porque aquele sorriso me causou o mesmo efeito, impressionante, em ambas. Daí te pergunto: o que fazer melhor, do que, amplificar a sensação que senti, unificando as duas fotos em uma? 


47 anos depois daquelas fotografias, eu já com ‘ruas’ nos cantos dos olhos, começando a parecer com as da minha mãe de agora, percebo um milagre que ela me legou: Ela tem o poder de  recriar o mundo com sua imaginação e, pelo jeito, me fez assim também. Sou todo gratidão. 



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