O Coletivo

Blog do escritor Juliano Rodrigues. Aberto a textos gostosos de quem quer que seja. Contato: julianorodrigues.escritor@gmail.com

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

As vírgulas e Virgulino, apelido Lampião


 

Trata-se de um texto resultado de um exercício de estilo. A proposta foi escrever sem empregar nenhum ponto final.


As vírgulas e Virgulino, apelido Lampião


Juliano Barreto Rodrigues


Era desvirgulado o Virgulino, um sujeito para quem não existiam vírgula, nem ponto-e-vírgula, nem aspas, parêntesis, quase nenhum travessão, porque só sua voz impunha; um daqueles tipos que não estendem uma frase de jeito nenhum, com quem a palavra é reta, sem espaço de argumento ou ponderação, um alguém que gostava principalmente de pontos finais, FINAIS, redondinhos feito a bala do “Colt Cavalinho” (e peremptórios, sem discussão ou lenga-lenga) e, de vez em quando, um sinal de exclamação ou interrogação – mais os primeiros do que os segundos – comuns a quem dá ordens e está acostumado a ser informado das coisas sem demora, costume de gente ocupada com os destinos alheios e causas maiores, ofício que o desvirgulado Virgulino, apelidado Lampião, levava a sério feito profissão de fé, pouco importando os meios para alcançar os fins, nem aceitando ingerência de Sêo Ninguém, era obstinado feito uma mula e despachava um quem-quer-que-fosse com nenhum abalo, como quem mata um porco, à faca, nada se interessando com seus guinchos, mas só com fazer rápido, aguilhoando o coração de forma exata e certeira, sem sujar as roupas, as botas, as mãos, e depois queimando-o em brasa para acabar com os pelos e fazê-lo em pedaços em seguida, sem culpa, só para satisfação de uma necessidade básica; se você pergunta se era sempre assim indiferente, digo que não, que tratando de pessoas a matar, muitas vezes surgiam dois tipos de paixões: a raiva (e gente que inspirava isso Lampião encomendava direto ao diabo, pedindo que a esfolasse muito mais) e um arremedo ligeiro de piedade (no caso daqueles que tinha que matar só por regra de comportamento, para não deixar ninguém para trás, tipo esposas dos seus “encomendados”, crianças, criados das fazendas, funcionários e quem mais não fosse alvo direto), caso em que fazia um sinal da cruz e pronto, se sentia de mãos lavadas e peito livre para novas façanhas, que foram muitas, incontáveis, com cheiro de sangue e pólvora e fezes de amedrontados; aquele Lampião muito mais tirava a luz dos outros do que iluminava o que quer que fosse, até chegar ao ponto em que não houve mais volta, em que sua fama ultrapassou a dos criminosos comuns, foi declarado inimigo público e desafiador das próprias instituições nacionais, marcado para morrer de morte exemplar, encarniçada e divulgada, para deixar bem claro que quem se insurge contra o poder é só um incômodo, pois um rato até assusta um elefante, mas não pode com ele; e assim foi, espetáculo horroroso, de caçada humana no sertão, em que o herói de muitos virou vilão marcado, porque o Estado não aceita concorrentes, prefere, antes, tantos milhões de indigentes, e bem tentou tornar o desvirgulado Virgulino um número esquecido mas, enfim, esquecidos foram os algozes de Lampião, porque ele mesmo entrou para a história, ficando morto, decapitado, romantizado, tornado rei do cangaço, estudado em todos os seus passos e, no final das contas, não fim de tudo, acabado sem ponto final - ele Virgulino, agora  muiltivirgulado, Lampião ,,,,,,,




Nenhum comentário:

Postar um comentário