ELEMENTOS SURREALISTAS EM "MACUNAÍMA", DE MÁRIO DE ANDRADE
Juliano Barreto Rodrigues
Macunaíma é um Trickster, uma figura mitológica que prega
peças ou, fora isso, desobedece regras e normas de comportamento. É o embusteiro,
trapaceiro, pregador de peças; É o Iktomi, dos Lacota; ou o Dokkaebi, da Coréia
do Sul; o ah-zuh-bahn da Nova Inglaterra; algumas representações do Exú
africano; ou seja, um ser arquetípico, o “malandro” em várias tradições
culturais.
É o anti-herói, que, como diz o antropólogo Renato da Silva
Queiroz, na página 94 do seu artigo O herói-trapaceiro. Reflexões sobre a
figura do trickster, é um ser cuja trajetória “é pautada pela sucessão de
boas e más ações, ora atuando em benefício dos homens, ora prejudicando-os,
despertando-lhes, por consequência, sentimentos de admiração e respeito, por um
lado, e de indignação e temor, por outro.”
Como ser que quebra as regras dos deuses ou da natureza, normalmente
com um “truque” (daí o termo “trikster”), é um personagem que se presta
perfeitamente aos aspectos oníricos e de livre imaginação do surrealismo. É um
ser que pode se transformar em outro ou em qualquer coisa, transgredir regras
de tempo, espaço, moralidade, pode ser experto e tolo, e quase sempre está ligado
às artimanhas da linguagem. É o próprio poder da imaginação personificada.
Em Macunaíma, de Mário de Andrade, há aquela aparente
valorização do improviso e da espontaneidade no manejo da linguagem, que
caracterizou o dadaísmo. E, no caso específico, percebe-se mais do que traços daquilo
que Santos e Souza dizem, no artigo As vanguardas européias e
o modernismo brasileiro e as correspondências entre Mário de Andrade e Manuel
Bandeira, que:
Os surrealistas exploraram as relações da linguagem e da arte com o inconsciente, os sonhos e a técnica da escritura automática, que consiste em escrever sem pensar, sob o fluxo de um impulso de extrema espontaneidade e entrega interior ao processo da ligação entre linguagem e forças inconscientes. (SANTOS; SOUZA, 2009, p. 793).
Não acho que Macunaíma chegue ao ponto de ter sido escrito
utilizando uma escrita automática, porque tem estrutura, um enredo claro, que
limita um pouco a liberdade total, ou quase total, surrealista. Mas o
personagem Macunaíma se transforma, cresce, decresce, vira planta, passeia, num
átimo, de um ponto a outro do Brasil, faz coisas que se enquadram no “maravilhoso”,
que André Breton tanto exaltou no Manifesto Surrealista de 1924.
Nos curtas Um cão andaluz, de Luis Buñuel e Destino,
de Salvador Dali e Walt Disney, a
impressão de falta de controle lógico, de plasticidade dos sonhos, fica bem
evidente. Embora exista uma sucessão de acontecimentos, a surpresas das mudanças
inesperadas fazem reconhecer que o universo de que se trata ali está longe da
realidade, só toca nela. E é muito interessante que a arte possa representar
isso.
Macunaíma vai na mesma esteira, embora aparentemente seja um
pouco mais estruturado. Mas, como nos vídeos citados, ele se transforma, uma
hora está em um lugar, daí a pouco está em outro, assumindo outra forma,
encontra seres mitológicos etc. A vantagem
literária, em relação aos vídeos, é que as intenções do personagem principal
são mais claras, a narrativa nos aproxima mais dele, não ficamos tão ligados
somente a “cenas” fluidas e mutantes, como no caso do curta “Destino”, nem
somente ao absurdo sensível, no caso de “Um cão andaluz”.
REFERÊNCIAS
QUEIROZ, Renato da Silva (1991). O
herói-trapaceiro. Reflexões sobre a figura do trickster. Tempo Social,
Revista de Sociologia da USP. 3 (1-2). p. 93-107.
SANTOS, Paula Cristina Guidelli do; SOUZA, Adalberto de Oliveira. As vanguardas européias e o modernismo brasileiro e as correspondências entre Mário de Andrade e Manuel Bandeira. In: CELLI – COLÓQUIO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS. 3, 2007, Maringá. Anais... Maringá, 2009, p. 789-798.
Um perro andaluz Luis Buñuel 1929
Salvador Dali y Walt Disney – Destino
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